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A liberdade religiosa e o Direito

É possível pregar um discurso de que as religiões são desiguais?

18/12/2017 às 11h58 Atualizada em 18/12/2017 às 12h09
Por: Redação Fonte: Jusbrasil
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A liberdade religiosa e o Direito

Um conhecido sacerdote da Igreja Católica, escreveu um livro (“Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de cura e libertação”), voltado aos católicos, no qual faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé.

O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele, acusando-o de ter cometido o crime do art. 20§ 2º da Lei nº 7.716/89 (conhecida como Lei do Racismo):

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
(...)
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime.

A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de praticar proselitismo religioso. Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião.

Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo.

Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os “inferiores” para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual, neste caso não haverá conduta criminosa.

Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo.

Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo.

O STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e, ainda que isso gere certa animosidade, não se pode extrair de suas palavras a intenção de que os fiéis católicos escravizem, explorem ou eliminem pessoas adeptas ao espiritismo. Não há, portanto, tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo.

A publicação escrita pelo sacerdote católico dedica-se à pregação da fé católica, e suas explicitações detêm público específico. Sua intenção foi a de orientar a população católica sobre a incompatibilidade verificada, segundo sua visão, entre o catolicismo e o espiritismo.

Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior a outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo.

Segundo o Min. Edson Fachin, a afirmação do autor de que a sua religião é superior e que ela deverá resgatar e salvar os espíritas:

"apesar de indiscutivelmente preconceituosa, intolerante, pedante e prepotente, encontra guarida na liberdade de expressão religiosa e, em tal dimensão, não preenche o âmbito proibitivo da norma penal incriminadora".

Por derradeiro, cumpre citar que o discurso discriminatório criminoso somente se materializa se forem ultrapassadas três etapas indispensáveis:

  • uma de caráter cognitivo, em que atestada a desigualdade entre grupos e/ou indivíduos (existem religiões diferentes entre si);
  • outra de viés valorativo, em que se assenta suposta relação de superioridade entre eles e, por fim (a minha religião é "superior" às demais); e, por fim,
  • uma terceira, em que o agente, a partir das fases anteriores, supõe legítima a dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que compreende inferior.

Se o discurso proselitista prega que a religião supostamente "superior" tem o objetivo de auxiliar os adeptos de outras religiões (tidas como equivocadas), neste caso, não há discriminação. Isso porque se ficou apenas nas duas primeiras etapas acima expostas, não se ultrapassando a terceira (mais danosa).

Assim, a tentativa de persuasão, de convencimento pela fé, sem contornos de violência ou que atinjam diretamente a dignidade humana, não é crime.

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