Minha filha foi ao teatro a primeira vez com seis meses de idade. Era a abertura da 4ª Temporada de Teatro e havia mil pessoas na praça da Feirinha na Lagoa Paulino em Sete Lagoas para assistir o Palhaço Vira Lata. Seu olhar atento enquanto enrolava os cachinhos do cabelo com seus dedinhos me emocionou profundamente. Naquele momento a nomenclatura grega – “Teatro – Lugar de onde se vê”; ganhou muitos outros sentidos pra mim.
Como ator, diretor, iluminador, gestor e professor de teatro meu significado para a essa palavra é múltiplo e complexo, técnico e afetivo. Por algum tempo (e as vezes até hoje nas aulas) eu repeti um significado que escrevi quando ainda estudava no Curso Técnico de Ator do Palácio as Artes: “Fazer teatro é brincar de ser outro enquanto busca por si mesmo”. Cada vez mais acredito no teatro como uma ferramenta de transformação de indivíduos. O teatro promove de maneira muito particular a cada pessoa um senso de coletividade e união, qualifica o olhar ao próximo, a capacidade de escuta e amplia nossa visão de mundo. São valores que eu desejo para a minha filha.
Na Preqaria Cia de Teatro somos idealistas. Há 18 anos acreditamos que para alcançarmos um país diferente será necessária uma educação da sensibilidade. Com a sensibilidade desenvolvida você não desmata nem queima as florestas, você se preocupa com a água e as nascentes, você não dá cadeirada nos adversários, não se fecha em uma vitória pessoal, ou no individualismo de um mundo cada vez mais digital, no individualismo que a educação formal, inclusive privada, nos ensina e molda cada vez mais. Quando educa a sensibilidade através do teatro o indivíduo constata que a vida é um jogo de ação e reação, que só funciona (ou traz felicidade) quando a escuta é refinada, quando o outro é o seu foco.
“O teatro promove de maneira muito particular a cada pessoa um senso de coletividade e união, qualifica o olhar ao próximo, a capacidade de escuta e amplia nossa visão de mundo”
Nós sabemos que no templo do teatro, moram as nossas raízes, a nossa ancestralidade. 2600 anos atrás, quando a palavra democracia apareceu pela primeira vez no planeta, nós já estávamos em grandes teatros de arena, reconhecendo-nos como indivíduos parte de uma sociedade, cantando e dançando a nossa existência. 2600 anos atrás estávamos nos palcos e nas arquibancadas, rindo das comédias, chorando das tragédias, nos vendo refletidos como que num espelho: palco-plateia.
Desta relação todas as nossas angústias, medos, certezas, provocações, reformas sociais-político-religiosas-administrativas, a maneira como nos organizamos como seres humanos; todas essas principais decisões da raça humana foram forjadas no Teatro.
Há 2600 anos clérigos, matemáticos, físicos, engenheiros e cientistas vêm utilizando o teatro para discutir, verificar e disseminar suas ideias. Advogados, médicos, Jesuítas, historiadores, filósofos, sanitaristas, políticos, cristãos e indianistas, colonizadores, mineiros, romanos, elizabetanos e gregos teatralizaram suas leis, descobertas e ideais morais em algum palco-plateia mundo afora. No teatro nós estamos construindo dia após dia, século após século, através desta tecnologia atemporal da escuta qualificada do olho no olho, nós estamos construindo à nós mesmos.
Pode-se invejar um artista em um momento de plenitude. Numa estreia, num dia de casa cheia, quando o jogo se estabelece e o palco se conecta com todos na plateia. É lindo! E sim, há um certo glamour nisso. Pois saibam que há 2600 anos essas pessoas são guerreiras, abrem mão das certezas financeiras de um emprego convencional, enfrentam soldados e policiais para denunciar genocídios, defendem no palco de 2600 anos o povo que as insulta, que as chama de vagabundas, que lhes dizem que “mamam nas tetas do governo”, e que neste momento histórico, de cima pra baixo, como a grande solução para a cidade, nosso governo municipal não acha viável que a cidade tenha uma Secretaria de Cultura. Promoveu uma reforma administrativa e nos incluiu na pasta da Educação e quando essa escolha se tornou insustentável administrativamente, nos aglutinou com o Esporte e o Turismo. Corte de Pessoal, de secretarias inteiras, de institutos e fundações, todos “economizando” porque no utilitarismo da educação formal que receberam a educação da sensibilidade, aquela que há 2600 anos vem trazendo as principais ideias humanas se tornou desimportante. Aí, a mediocridade sensível e intelectual impera e as cadeiras voam.
O teatro é uma profissão. Ser artista é maravilhoso. Somos muito felizes fazendo o que fazemos e por isso escolhemos estar no palco. Por isso, há 2600 anos resistimos e continuamos no palco porque temos muita força nessa decisão. Também porque temos essa capacidade de resistir aos dias difíceis e a incompreensão.
Mas, hoje, no dia que nos foi dado, no dia Nacional do Teatro, diante de tantos gastos absurdos, verbas de campanha, auxílios paletós, auxílios moradias, auxilio escolaridade, auxilio tudo que se puder votar e aprovar em uma câmara legislativa, nós e vocês… o palco e a plateia… nós que há 2600 anos somos o espelho síntese da raça humana, sabemos onde se deve começar as reformas.
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