No mês que celebra as mulheres, a violência – tanto física quanto psicológica – ainda é uma realidade que assombra e também um lembrete sobre a luta contínua pelo direito fundamental à vida. Dados divulgados na 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam em 2023 que Minas Gerais é o segundo Estado onde os casos de feminicídio mais são registrados no país.
E pelo terceiro ano seguido. Escapar das situações de abuso não é tão fácil quanto possa parecer, alerta a psicóloga Josefa Ferreira, do Núcleo de Sexualidade da Holiste Psiquiatria. Sobretudo quando envolvem relacionamentos afetivos.
Segundo ela, é inegável o contexto histórico e cultural que reforça a crença de que as mulheres são propriedade dos parceiros. A dimensão da violência psicológica em situações de abuso, explica, pode atrasar um momento importantíssimo de rompimento do ciclo de violência: a denúncia.
Para a vítima, é muito difícil romper com um relacionamento tóxico porque, normalmente, a violência não é diária. A psicóloga destaca que o relacionamento abusivo possui uma estrutura cíclica e isso significa que a convivência com o parceiro não vai mal o tempo todo, mas oscila entre momentos de humilhação e agressão, e situações de valorização e afeto que levam a vítima a relevar os eventos ruins.
Uma frase comum para justificar a permanência na relação é: “ele não é sempre assim”, uma maneira de relativizar a violência, diz a especialista. No entanto, isso faz parte do ciclo de abuso que pode ser identificado em quatro etapas: tensão, incidente, reconciliação e lua de mel.
“Na tensão, o abusador cria situações para deixar a vítima ansiosa, com medo de que algo aconteça, no ápice desta expectativa vem o incidente, que pode ser uma agressão verbal, física, ou alguma outra atitude violenta. Logo em seguida, vem a reconciliação, o momento em que o abusador se desculpa pelo descontrole, mas coloca a culpa na parceira para tentar diminuir a gravidade do incidente. Por fim, se inicia a lua de mel, a fase da calmaria onde o abuso é esquecido até que o ciclo recomece novamente”, detalha.
Cuidado X controle
Alguns setores da sociedade ainda defendem que a mulher é propriedade do parceiro e que ele deve controlar o que ela veste, suas vontades e desejos, o que faz com o corpo e sua autonomia. O problema é que, muitas vezes, as mulheres são ensinadas a enxergar essas atitudes como provas de amor e cuidado, e não como violência, diz a psicóloga da Holiste, na Bahia.
“Muitas mulheres possuem um histórico familiar parecido e acabam normalizando a relação abusiva. A violência muitas vezes é confundida com cuidado, amor e carinho. Mesmo quando descobrem que estão sendo abusadas, elas sentem vergonha e culpa pela situação, mantendo-se afastadas dos amigos e familiares e presas no discurso do abusador”, diz.
Reforçar o investimento em políticas públicas voltadas à prevenção da violência doméstica para proteger as mulheres vítimas deste crime é fundamental, na avaliação da psicóloga. “Para quem está de fora, em caso de agressão, o ideal é denunciar às autoridades cabíveis. Já do ponto de vista individual, é muito importante buscar ajuda profissional para se fortalecer e conseguir quebrar o ciclo de abuso sem cair em armadilhas, como promessas de mudança e de um novo final. Haverá, sim, um final feliz, mas longe desta relação violenta”, orienta.
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