A abordagem a um motoboy negro que teria sido ferido com um canivete e acabou detido por policiais militares no último sábado (17), em Porto Alegre é apurada por uma sindicância instaurada pela Brigada Militar.
A Polícia Civil investiga o desentendimento entre o motoboy negro e um morador, branco. Ele é morador de um prédio vizinho, e foi apontado pelas testemunhas como autor das agressões. O homem negro sofreu escoriações no pescoço, que teriam sido provocadas pelo canivete; já o homem branco sofreu escoriações na perna.
Os dois foram encaminhados para uma delegacia e liberados após o registro da ocorrência.
A suposta diferença no tratamento aos envolvidos motivou um protesto de motoboys no domingo (18) e também repercutiu nas redes sociais.
Veja abaixo o que se saber e o que falta saber sobre o caso.
1. Quem são os envolvidos?
Um motoboy negro, Everton Henrique Goandete da Silva, de 40 anos, que teria sido ferido por um canivete no pescoço, na tarde de sábado (17), por um homem branco, de 72 anos, morador da rua onde aconteceu o caso.
Testemunhas gravaram vídeos da abordagem, que ocorreu no bairro Rio Branco, na região central da Capital.
2. Como aconteceu a suposta agressão?
Imagens mostram os dois discutindo na calçada. Pessoas que acompanhavam a situação relatam que o homem branco teria atingido o motoboy com um canivete, que causou ferimentos no pescoço.
O homem branco sofreu escoriações na perna, segundo relato dele à Polícia Civil, provocadas por pedradas.
A Brigada Militar foi chamada depois disso. O motivo da briga não havia sido informado oficialmente por autoridades policiais até a última atualização desta reportagem.
3. Como foi a abordagem?
Vídeos mostram o que acontece instantes após a Brigada Militar chegar ao local. O homem negro é algemado e levado para perto de uma viatura. Vídeo acima.
O homem branco aparece ao fundo da imagens, conversando com duas policiais. Logo, caminha em direção ao prédio e entra.
O homem negro é colocado no porta-malas da viatura.
O homem branco aparece de novo, agora vestindo uma camiseta. Ele é algemado e colocado no banco traseiro de outra viatura. Os dois foram levados para uma delegacia e liberados depois.
4. O que foi registrado na ocorrência?
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) e a Brigada Militar (BM) afirmaram, em nota, que os dois homens envolvidos na ocorrência de vias de fato foram levados a uma delegacia para prestar esclarecimentos.
A Brigada Militar registrou boletim de ocorrência por lesão corporal, com as versões dos dois homens envolvidos no caso.
Já o homem negro registrou também outro boletim de ocorrência por abuso de autoridade, em função da conduta da Brigada Militar.
5. Quem investiga o que aconteceu?
O Comando de Policiamento da Capital (CPC) da Brigada Militar abriu uma Sindicância Policial Militar para apurar a abordagem e a detenção do motoboy.
Já a Polícia Civil investiga o que causou o desentendimento entre o morador e o motoboy, além de como aconteceu a suposta agressão.
Os ministros da Igualdade Racial, Anielle Franco, e dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, disseram que devem acompanhar as investigações.
6. O que diz a Polícia Civil?
A Polícia Civil vai indiciar o motoboy negro e o morador branco por lesão corporal. A informação foi confirmada, na segunda-feira (19), pela delegada que investiga o caso, Rosane de Oliveira, da 3ª Delegacia de Polícia (DP) da Capital.
A delegada já ouviu o morador, um homem de 72 anos. A Polícia Civil ainda aguarda o motoboy e os policiais que atuaram na ocorrência. Com base nas imagens, Rosane de Oliveira ainda aponta que o motoboy foi rendido por estar "mais alterado".
7. Qual foi a repercussão?
Os vídeos foram publicados na internet e logo causaram repercussão no país. Ainda no sábado (17), o governador Eduardo Leite afirmou que "as imagens causam repercussão".
"As imagens nos deixam preocupados sobre como essa abordagem tenha sido feita, e é muito importante que a gente garanta uma sindicância com celeridade e com todo o rigor, para apurar a conduta dos policiais. Naturalmente, se houve algum procedimento errado, e principalmente alicerçado em preconceito, isso vai ter que ser apurado", avaliou o governador.
A ministra Anielle Franco se manifestou nas redes sociais. Se disse indignada com as imagens.
"Recebemos com indignação as imagens da abordagem policial no Rio Grande do Sul, onde um motoboy denunciou uma tentativa de homicídio e foi ele, o denunciante, quem saiu algemado, enquanto o homem que teria cometido a agressão dialogava com os agentes, sorrindo. As imagens causaram revolta, com razão, pelos indícios de racismo institucional. Nossa equipe buscará, junto ao Ministério da Justiça e Ministério dos Direitos Humanos acompanhar os desdobramentos das investigações. Prestamos nossa solidariedade e apoio à equipe do mandato do vereador Matheus Gomes, que visibilizou o caso e acompanha a vítima no estado", escreveu a ministra.
Silvio Almeida afirmou que é preciso que as instituições passem a aceitar que, "em uma sociedade em que o racismo é estrutural, medidas consistentes e constantes no campo da formação e das práticas de governança antirracista devem ser adotadas".
"O caso do trabalhador negro, no Rio Grande do Sul, que tendo sido vítima de agressão acabou sendo tratado como criminoso pelos policiais que atenderam a ocorrência, demostra, mais uma vez, a forma como o racismo perverte as instituições e, por consequência, seus agentes", escreveu.
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