"Não julgue para não ser julgado. Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho?".
O que essa lição milenar deixa bem claro – para muito além de seu teor prático – é que qualquer ato de julgamento ferino tem o poder de trazer consequências danosas para o nosso bem-estar e saúde mental.
Uma pesquisa publicada pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) revelou que experiências de crítica destrutiva, rejeição e humilhação são processadas pela mesma parte do cérebro responsável por regular nossa sensação de dor.
Ainda que seja praticamente impossível encontrar quem nunca tenha feito ou sofrido mau juízo na vida, a verdade é que é difícil entender o que leva muita gente a perder tanto tempo censurando barbaramente os outros ao seu redor.
"O julgamento é uma forma de interpretarmos os fatos de acordo com o nosso próprio sistema de crenças e valores", afirma o médico psiquiatra e psicoterapeuta, Vinícius Corrêa da Silva Rocha.
"Assim, é compreensível que as pessoas julguem e critiquem porque essa seria a forma de interpretar eventos e ações de outras pessoas de acordo com seu próprio sistema de valores", complementa.
A psicóloga, psicanalista e mestre em psicologia clínica pela PUC-Minas, Maria Clara Carneiro Santiago, concorda e acrescenta.
"Julgar é um ato que peca por não adotar uma visão ampla e complexa da realidade analisada ao privilegiar uma visão simplista, reducionista e meramente objetiva do contexto", explica.
Segundo ela, esse comportamento parte de um conceito equivocado de que existe um conhecimento absoluto ou verdade universal que define com precisão o que é a essência verdadeira de algo ou alguém.
"Isso não existe, pois a percepção é sempre a partir de nós mesmos. Essa ideia de que há um saber privilegiado é muito comum entre as pessoas, sobretudo no mundo em que vivemos, no qual a busca desenfreada por fórmulas e receitas prontas obscurece as subjetividades", diz Maria Clara.
"Aprendemos, quase que diariamente, que devemos perseguir um conhecimento objetivo do mundo, calcado em noções cristalizadas de 'bom' ou 'ruim' a serem aplicadas a tudo. Assumir essa lógica é, sem sombra de dúvidas, um grande risco", avalia.
Esse tipo de julgamento sem limites acaba produzindo uma autoestima enfraquecida e até mesmo a depressão, opina o psiquiatra e terapeuta cognitivo comportamental Rodrigo de Almeida Ferreira.
"No automático, a mente humana está sempre avaliando as coisas ao nosso redor e comparando a realidade com aquilo que gostaríamos que ela fosse. O mesmo se aplica às pessoas. Entretanto, quando percebemos que isso não é possível, a tendência é a gente se sentir triste, para baixo e sem nenhuma motivação. E é dessa forma que muitas pessoas entram em um ciclo depressivo", alerta.
Para muitos estudiosos, comentários derrotistas nunca são feitos com o objetivo de oferecer ajuda, e por esse motivo machucam tanto.
"Críticas sem critério causam impactos negativos porque não são embasadas em evidências e raramente são feitas para auxiliar a pessoa criticada. Ou seja, elas não contribuem para o crescimento de ninguém", destaca a psicóloga Laís Ribeiro.
Embora haja quem defenda que uma crítica nada mais é do que uma forma de liberdade, há diferenças marcantes entre julgar e falar a verdade, esclarece Vinícius Corrêa da Silva Rocha.
"Quando passamos julgamentos estamos admitindo que existe somente uma forma de interpretar a realidade. Isso é uma maneira frágil de se lidar com o mundo", frisa.
"O mito da caverna de Platão nos ajuda a entender bem essa questão. Se somos condicionados a enxergar apenas uma perspectiva de projeção da realidade, tendemos a recusar as outras interpretações, ainda que sejam tão ou mais verdadeiras. Nos prendermos à uma única verdade talvez seja um mecanismo necessário para alguém que precise de autoafirmação o tempo todo, mas certamente é um mecanismo pouco efetivo e cheio de falhas e contrapartidas", observa o médico.
Diante de tudo isso, é possível deixar de lado a crítica tenaz para adotar, ao invés, a compaixão na hora de avaliar os outros?
"Sim, mas isso tem a ver com muito treino e uma mudança significativa em relação a forma com que enxergamos a nós mesmos e as pessoas com quem convivemos", aconselha Rodrigo de Almeida Ferreira.
"Apostar num comportamento mais realista e útil exige assumir a realidade do outro e sair do nosso piloto automático. Só assim a gente consegue viver de maneira mais leve e com foco na empatia", sumariza.
Confira alguns hábitos para evitar a tentação de julgar duramente os outros:
1 - Estar sempre atento para observar e descrever os fatos objetivamente. Quanto menos subjetivo, menor a tendência de passarmos as situações pelo nosso próprio filtro e emoções.
2 - Meditar: quanto mais você estiver atento e participativo no momento presente, menor será sua tendência de ser influenciado por emoções.
3 - Seja efetivo. No fim das contas, é mais importante resolver os problemas do que ter razão (lembrando que a sua razão pode, e provavelmente será, diferente daquela de outras pessoas).
4 - Praticar aceitação radical: estar comprometido com a ideia de que o mundo é como ele é e não como eu acho que deveria ser. Assim, não faz sentido discutir as ações de outras pessoas porque cada um sabe exatamente as dores e delícias de sua própria realidade.
5 - Aja sempre com compaixão. Antes de julgar, nunca deixe de primeiro se colocar no lugar do outro.
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