A renda do brasileiro cai e a inflação sobe. Nesse desequilíbrio que tem se aprofundado mês a mês, quase oito em cada dez famílias brasileiras estão endividadas, sem condições de pagar suas despesas, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC). Com tantas dívidas, até os cinco primeiros meses de 2022 havia cerca de 66,6 milhões de inadimplentes no Brasil, conforme os dados do Mapa da Inadimplência da Serasa. Nesse cenário, o governo federal prepara-se para estender o crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil e aumentar a margem do empréstimo para trabalhadores e aposentados.
O consignado é procurado principalmente por ter uma taxa de juros mais baixa, em relação às demais opções de crédito no Brasil, já que tem desconto diretamente na folha de pagamento e oferece mais segurança aos bancos. Mas ele também tem riscos, pois pode comprometer quase metade da renda mensal, segundo os limites atuais, que devem aumentar no futuro próximo.
A gerente da Serasa Amanda Rapouzo defende que os empréstimos não são necessariamente um vilão da vida financeira e dá dicas sobre o que se atentar antes de tomar um crédito consignado ou outra categoria de crédito no mercado.
O crédito consignado desconta o pagamento mensal do empréstimo diretamente na folha de pagamento, seja o salário dos trabalhadores do regime CLT, os chamados celetistas, seja a aposentadoria dos beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Como isso dá garantia de pagamento ao banco, a taxa de juros da modalidade é menor: segundo os dados mais recentes divulgados pelo Banco Central, ela girava em torno de 22,9% ao ano em fevereiro de 2022. Os juros do cartão de crédito, comparativamente, chegam a 73,2% e o rotativo — quando parte da fatura não é paga e passa para o mês seguinte — 355,2%.
“O empréstimo é, muitas vezes, uma alternativa melhor do que cair no cheque especial. Deixar a conta correr negativa é um cenário bem pior do que tomar um empréstimo. Até o cartão de crédito, se for bem organizado, pode ser positivo. O crédito consignado só perde vantagem quando não é usado com consciência, porque a pessoa ficará sem um bom percentual da sua renda e, se não se planejar muito, em um momento em que precise não terá dinheiro”, aconselha Amanda Rapouzo, da Serasa.
Pelas regras atuais do crédito consignado, ele pode comprometer no máximo 35% da renda mensal de uma pessoa. O limite foi estendido durante a pandemia, até deixar de valer em janeiro. Agora, está prestes a ser estendido novamente. O Congresso aprovou, neste mês, a Medida Provisória (MP) 1.106/2022, que aumenta a margem consignável. Pelos prazos legais, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem até o dia 3 de agosto para sancionar ou vetar a nova norma.
Rapouzo reforça que seria interessante todos terem uma reserva financeira com o valor aproximado de seis meses de rendimento, mas admite que o cenário atual dificilmente permite concretizar esse plano. “Com o emprego e inflação do jeito que estão, isso seria utópico. É muito complicado falar para as pessoas guardarem dinheiro hoje em dia, porque às vezes é uma questão de não poder, e não de desconhecer que isso é necessário. A pessoa deve guardar o máximo que conseguir, que sejam R$ 10, R$ 20. É importante ter esse pé de meia para utilizá-lo em um momento de necessidade, em vez de tomar um empréstimo”, orienta.
O crédito consignado é uma opção em um leque de alternativas, desde o cartão de crédito até o empréstimo pessoal. Vantajoso pela taxa de juros menor, ele também tem riscos: se o trabalhador que recorreu ao crédito consignado se demitir antes de quitar a dívida, por exemplo, pode ter um desconto de até 30% na rescisão. Além disso, como os prazos de pagamento dessa modalidade são mais longos, a renda pode ficar comprometida por bastante tempo.
Um passo básico para decidir qual empréstimo é o ideal para a situação é avaliar seu Custo Efetivo Total (CET), recomenda Danilo Pereira Brito, certificado pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar). O CET é a soma de todos os juros, taxas e outros encargos que estão atrelados a uma linha de crédito e revela o que está envolvido no empréstimo para além das parcelas anunciadas pela instituição financeira. “É importante ver se a opção escolhida está mais barata ou mais cara do que a concorrente”, pontua o especialista.
Amanda Rapouzo, da Serasa, reforça que é necessário considerar o custo final do empréstimo e não somente as parcelas mensais. “Se tomei um empréstimo de R$ 3.000 e vou pagar em dois anos, tenho que ter consciência de quando ele terá custado no final desse período. Será R$ 4.000, R$ 5.000?”, lembra.
O ideal é só utilizar outra linha de crédito quando tiver quitado a anterior, mas, como isso nem sempre é possível, diferentes alternativas de empréstimo podem ser um recurso para pagar outras dívidas. “Vamos imaginar que você está com uma dívida em atraso, como uma conta de luz, cartão de crédito, cheque especial. Os juros do atraso dessas dívidas são maiores do que os juros que você pagará no consignado? Se forem, você pode obter o crédito com uma taxa menor e saldar essas dívidas”, explica o consultor financeiro Danilo Pereira Brito, certificado pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar).
O crédito consignado é disponibilizado a partir de convênios entre uma instituição financeira e uma fonte pagadora — a responsável pela folha de pagamento. O crédito é disponibilizado a trabalhadores do regime CLT, aposentados e pensionistas e servidores públicos. Em breve, ele também deve ser liberado para os beneficiários do Auxílio Brasil, que terão desconto diretamente no benefício.
A margem consignável, ou seja, a fatia da folha de pagamento que pode ser comprometida pelas parcelas do empréstimo, é de 35%. Em 2021, ela havia sido ampliada para 40% para socorrer quem estava endividado durante a pandemia, mas a Medida Provisória (MP) que regia a mudança deixou de valer no final do último ano.
Isso está prestes a mudar, com aprovação da MP nº1.106/2022 no Congresso, que aguarda sanção de Bolsonaro. Ela amplia o limite para 45% para aposentados e quem recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e 40% para celetistas e servidores públicos. Os beneficiários do Auxílio Brasil também poderão acessar o crédito consignado, cujas parcelas poderão reter até 40% do benefício.
A medida divide especialistas. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) afirma que a MP potencializa o risco de superendividamento. “A concessão do crédito consignado para população que depende da renda de programas sociais, é, antes de qualquer crise, um ato de covardia do governo para dar mais dinheiro ao setor bancário às custas do endividamento dos mais pobres”, afirma a economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Instituto, Ione Amorim, no site da instituição.
A gerente da Serasa Amanda Rapouzo avalia que a medida pode ser positiva para liquidar dívidas e girar a economia neste momento, mas pondera os riscos dessa operação. “O consumidor precisa entender exatamente quanto da sua renda estará comprometido e se o empréstimo é para algo de que ele efetivamente precise, além de ficar atento a golpes”, diz ela. Só até maio de 2022, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, foram registradas 32.221 reclamações relacionadas a crédito consignado.
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