A madrasta do conto de fadas "Branca de Neve”, mundialmente conhecido pela versão dos Irmãos Grimm, publicada em 1817, desafiava o espelho a dizer se no mundo havia alguém mais bonita do que ela. Diante da resposta que não queria ouvir, a vilã inicia uma jornada para eliminar sua rival. Passados mais de dois séculos, com smartphones em mãos e diante de milhões de perfis, não é incomum nos fazermos uma pergunta um pouco mais complexa: por que existem tantas pessoas supostamente mais belas, felizes, saudáveis e ricas do que eu?
“Se formos olhar as redes sociais, sobretudo perfis de famosos, a gente pensa que a vida do outro é maravilhosa”, explica o psicólogo e psicoterapeuta Thales Vianna Coutinho, lembrando que aí, o comparativo com a nossa existência, na qual há momentos bons e ruins, pode dar a entender que estamos em um lugar pior.
Para o especialista em saúde mental, enquanto internautas, devemos ter clareza sobre o funcionamento da dinâmica entre o mundo real e o virtual. “Nas redes, tudo é medido em likes e dislikes. Na verdade, nem é uma invenção delas, mas uma consequência da natureza humana. Desde sempre a gente aprova ou desaprova comportamentos, e, ali, há uma representação virtual do que vivemos no mundo real. Basear-se nesse medidor pode acabar minando nossa autoestima”, alerta.
O especialista destaca que a realidade virtual é fragmentada em figuras de momento e que o que é visto no feed pode não representar alguém[que esteja de fato feliz. “Atualmente, vários influenciadores vêm relatando que sofrem de depressão ou têm quadros de ansiedade”, comenta, sobre situações que, à primeira vista, não são perceptíveis em meio a tantos outros momentos.
Um caso recente é o da atriz Klara Castanho, 21. A jovem divulgou uma carta aberta relatando um estupro, uma gravidez indesejada e a entrega da criança para adoção. No relato, pontuou: “As redes sociais são uma ilusão, e deixei lá a ilusão de que a vida estava ok, enquanto eu estava despedaçada”. O caso chama a atenção e nos faz questionar: existe alguma vida real no mundo virtual?
De acordo com o psicólogo, apesar dos filtros, da produção e demais artifícios usados para mascarar a realidade, existe. “Uma das razões para a gente mentir sobre o nosso comportamento é o receio de sofrer algum tipo de punição, e isso é mais frequente quando estamos em um relacionamento face a face, no qual a pessoa pode reprovar ou até nos punir de alguma maneira”, comenta. “Já nas redes, principalmente no Twitter, o que vemos é um reflexo da natureza humana no seu âmbito mais negativo, com xingamentos, ofensas, haters e outros”, completa ele.
Proteção. Mas como não se deixar levar pela ilusão? Para Thales Vianna Coutinho, a melhor proteção contra o mundo fake virtual é simples: ter consciência de que não dá para acreditar em tudo o que está ali, postado.
Mas e se for você a postar com frequência situações e imagens que estão longe de corresponder à realidade? “Usar rede social como escapismo é um sinal de que a realidade é tão insustentável que é melhor viver nesse campo virtual. Nessa situação, é fundamental buscar ajuda profissional”, orienta.
Não é o caso da artesã Ana Cristina de Souza, 43, mas, sim, ela assume que “às vezes a gente fala uma mentirinha básica, né?”. Na contramão, o estudante Luiz Guilherme Figueiredo, 17, teme despertar inveja nos seus seguidores. “Acho que tudo o que se mostra demais pode estragar. É risco se expor”. Ele também é precavido diante das postagens alheias. “Nem tudo é verdade, sinto que muita gente posta coisas para gerar mídia, biscoitar”, diz.
Antes de postar, analise bem o conteúdo
Atualmente, é quase uma missão impossível viver totalmente alheio ao que acontece no mundo virtual, em particular, no que se refere às redes sociais. No entanto, se, além de seguir perfis, a pessoa também for produtora de conteúdo, vale a máxima: muito cuidado com o que for postar.
É que, do ponto de vista jurídico, existem crimes virtuais passíveis de penalidades em quase todas as esferas. “No direito do consumidor, se houver uma influência negativa sobre a compra de um produto, por exemplo, o criminoso pode ser obrigado a pagar indenização. Já do ponto de vista criminal, pode haver prisão, uma pena restritiva de direito ou pena de multa se alguém incentivar um crime, se cometer crime de stalking (que é perseguir outra pessoa). Além disso, há aplicações de crimes como estelionato, injúria, ofensa e outros, no campo virtual”, explica a advogada especialista em direito na internet Lorrana Gomes.
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