Antes da pandemia, a jornalista e comunicadora Sheila Castro, 42, conseguia se desdobrar em vários trabalhos, além do seu emprego fixo, e ganhava até R$ 3.000 de renda por mês, fora a aposentadoria da mãe, de um salário mínimo, que também ajudava nas contas da casa que as duas dividiam. Com a crise sanitária e o caos econômico que se seguiu, a situação ficou bem diferente. “Hoje, recebo R$ 500. Minha mãe morreu há três meses, então não conto mais com o dinheiro da aposentadoria. Eu trabalho com marketing digital para pequenas empresas, mas a venda delas também caiu e está difícil chegar a um salário mínimo”, conta.
A história de Sheila não é um caso isolado, mas, sim, parte de uma realidade em Minas Gerais e no restante do país. Cerca de 41,4% dos trabalhadores no Estado, ou quatro a cada dez, recebem no máximo um salário mínimo de R$ 1.212, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), compilados pela Tendências Consultoria. No Brasil como um todo, o cenário é similar, e 38,2% dos trabalhadores estão nessa faixa de renda.
O número revela a degradação do mercado de trabalho — em 2016, o montante não chegava a 35% e, desde 2019, a taxa vem aumentando. Desde o terceiro trimestre de 2021, Minas conseguiu superar o número de empregos do início da pandemia, após sucessivas quedas. A retomada, entretanto, foi acompanhada por salários mais baixos e poucas perspectivas de melhora no futuro próximo, pontua o economista da Tendências Consultoria, Lucas Assis.
“Ainda é um mercado muito deteriorado no país e em Minas, sofrendo as cicatrizes de dois importantes choques, a recessão de 2016 e a pandemia. A melhora que observamos recentemente na queda da taxa de desemprego é um retorno à normalidade da pré-pandemia, quando a situação já estava muito fragilizada”, aponta.
O salário mínimo não tem um aumento real, isto é, acima da inflação, há três anos, e os R$ 1.212 perdem cada vez mais poder de compra, na medida em que a cesta básica, por exemplo, continua a ficar mais cara. O valor da cesta em Belo Horizonte em maio desde ano chegou a R$ 653,12, o que consome 58,3% do salário mínimo líquido do trabalhador, contra 52,3% há cerca de um ano, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-MG). Considerando-se o preço médio da gasolina em Minas, o trabalhador consumiria quase 34% do salário mínimo para encher um tanque de 55 litros.
E não é somente a classe trabalhadora que sofre com o aumento do percentual de quem recebe apenas um salário mínimo, mas toda a economia brasileira, explica a técnica do braço mineiro do Dieese Isabela Mendes. “Além da deterioração da qualidade de vida das famílias, elas tendem a consumir menos, então menos dinheiro circula, o que é ruim para toda a economia”. Ela também pontua que, por mais que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil tenha avançado em 2021, após o baque em 2020, a alta não chegou ao trabalhador.
“No ano passado, tivemos crescimento de 4,6% do PIB, o que significa que tivemos maior produção de bens e mais riqueza sendo gerada no país. Ao mesmo tempo, o rendimento médio real do trabalhador caiu 7%. Se a economia cresceu e o rendimento caiu, isso quer dizer que ela foi apropriada pelo segmento cuja renda não é do trabalho, e, sim, de ganho de capital, como grandes empresários, investidores e proprietários de terra e de imóveis”, conclui.
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