Os reflexos decorrentes da inflação dos alimentos fizeram com que o preço médio do prato feito aumentasse 23% nos últimos 12 meses, mais do que o dobro do acumulado no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Com isso, o tão consumido bife bovino está desaparecendo da refeição do trabalhador brasileiro. Em alguns casos, o valor do PF chega a dobrar com a inclusão da carne de boi.
A economista Marcela Kawauti, da Prado Assessoria, utilizou como base para o levantamento do preço do prato feito no país os preços da carne bovina, arroz, feijão, salada de alface e tomate, batata frita, temperos e gás de cozinha vigentes em todo país. Foram incluídos no cálculo também os temperos, como cebola, alho, sal, óleo de cozinha e azeite e o uso do gás de cozinha. Os dados representam a inflação acumulada em 12 meses, até março de 2022.
Os resultados da pesquisa mostram que, embora a inflação acumulada no IPCA seja de 11,30%, o número representa o quanto a cesta média de consumo do brasileiro cresceu entre março de 2021 e 2022. "Mas quando olhamos apenas o crescimento da refeição típica do brasileiro, o crescimento foi de até 34%, como em Porto Alegre", explica a economista responsável pelo estudo.
O levantamento explicita que os preços dos bens essenciais ao brasileiro, como a comida diária, por exemplo, têm crescido bem acima da inflação. "A refeição típica avançou o dobro do IPCA. A isso se soma o fato de que o brasileiro não tem conseguido aumentar o valor do seu salário. Seria como dizer que, para comer um prato típico, o brasileiro gasta 23% a mais do que 12 meses atrás, sem ter um salário mais alto", explica.
A pesquisa demonstra ainda que o preço do prato feito varia entre as capitais. "Por regiões, há algumas diferenças, mas em todos os casos a inflação da refeição típica está acima da média. Em Porto Alegre, foi registrado o maior avanço, de 34%; na outra ponta está Belém, Pará, com avanço de 15%. Em São Paulo, a alta foi de 23%", avalia Marcela Kawauti.
O problema está na fonte de um dos maiores debates nacionais: os combustíveis, que tiveram aumento de 33,33% nos últimos 12 meses. De acordo com o IPCA, no mesmo período, a cenoura subiu 166,17%; o tomate, 27,22%; a cebola, 10,55%; e a alface, 8,87%.
"A inflação desde o ano passado tem um componente muito perverso: foi concentrada em alimentação, energia elétrica e transporte. São coisas que ninguém consegue deixar de fazer e acabam pesando no bolso da renda mais baixa que não tem margem de manobra no orçamento", explica.
A renda média do brasileiro ficou em R$ 2.489 no trimestre encerrado em janeiro de 2022, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A população desocupada está em 12 milhões de pessoas.
Marmitex
O prato feito vendido em restaurantes está sofrendo manobras por parte dos comerciantes. Há restaurantes a quilo que cobram a mais pela carne bovina no prato montado pelo freguês. Como principal item no custo ao consumidor, o bife faz o valor do quilo ser multiplicado por dois em Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Diante de preços proibitivos, há casos de comerciantes que determinam a quantidade de carne que cada cliente pode colocar no prato. "Se o produto não for de boa qualidade, o dono não consegue vender, e há muitas reclamações," observa o economista Feliciano Abreu, do site Mercado Mineiro, que realiza pesquisa semanal de preços em BH e Região Metropolitana.
A última pesquisa do Mercado Mineiro e o aplicativo comOferta, apresentada em 4 de abril, apontou que o PF é vendido entre R$ 15,99 e R$ 48, uma variável de 336%. A refeição combinada registrou um aumento de 1,6% no preço em março.
O marmitex grande apresentou variação de 324% entre fevereiro e março deste ano e os valores de venda estavam entre R$ 10,99 até R$ 46,70. Um encarecimento da marmita de 3% em 30 dias. No marmitex pequeno, a variação foi de 91%, com preços em torno de R$ 12,99 no produto mais barato e R$ 23,99 no mais caro.
Quando perguntados sobre a constituição do preço cobrado por um prato feito, donos de restaurantes apontam as carnes como principal item no custo ao consumidor. No caso do boi, o valor do quilo é multiplicado por dois. "O pior é que não dá para isolar o problema. Subiu tudo! Tirar a carne é só um paliativo porque ela é mais cara em relação aos demais ingredientes", finaliza Marcela Kawauti.
Selic
A tendência é que os preços não caiam nos próximos anos. "O Banco Central (BC) está pronto para aumentar os juros mais do que o previsto caso a inflação seja maior ou mais persistente que o esperado", disse o presidente do órgão, Roberto Campos Neto, na última semana.
Em viagem aos Estados Unidos, ele repetiu que o Comitê de Política Monetária (Copom) deve elevar a taxa Selic (juros básicos da economia) para 12,75% ao ano na próxima reunião, em maio, mas deu a entender que ajustes adicionais podem ser realizados. "O Copom avalia que o momento exige serenidade para avaliar o tamanho e a duração dos choques atuais", diz.
"O Copom avalia que o momento exige serenidade para avaliar o tamanho e a duração dos choques atuais. [O comitê] persistirá em sua estratégia até que o processo de desinflação e a ancoragem das expectativas em torno de suas metas se consolide", disse Campos Neto, em apresentação a investidores.
Eletrodomésticos
E os preços altos não param de carregar o bolso do consumidor. A redução de 25% na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), sendo de 18,5% no caso dos veículos, valendo desde 25 de fevereiro, não chegou ao consumidor, apontam indicadores de inflação.
O IPCA, índice oficial de inflação do governo, mostra que bens duráveis, como eletrodomésticos (geladeira, máquina de lavar, fogão), que passaram a pagar menos imposto com a redução do IPI, desaceleraram os reajustes, mas continuaram subindo de preços nos dois últimos meses.
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