No início de fevereiro, a enfermeira Mara Abreu foi internada com um quadro de hepatite fulminante relacionado ao consumo de cápsulas de um chá emagrecedor de 50 ervas. Submetida a um transplante de fígado, rejeitado pelo organismo, ela, que tinha 42 anos, não resistiu às complicações.
Dias depois, o país acompanhou com apreensão o caso da cantora Paulinha Abelha, que, depois de dez dias sob cuidados médicos, faleceu após rápida deterioração de seu quadro de saúde. Os profissionais que cuidaram da vocalista do grupo Calcinha Preta suspeitam que as causas da morte tenham sido problemas renais e hepáticos decorrentes do uso de remédios e bebidas por infusão para emagrecer, ficar alerta e ganhar definição muscular. Exames divulgados neste mês reforçaram a tese, indicando que o fígado dela foi lesionado por essas substâncias. Ela tinha 43 anos.
Chás naturais, cápsulas e suplementos como os que foram utilizados por Mara e por Paulinha podem ser encontrados facilmente em sites e lojas físicas, de salões de beleza a academias e clínicas de estética. Um comércio que, muitas das vezes, desobedece à legislação.
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), chás devem ser vendidos como um alimento, e não como um medicamento. Evidentemente, tais bebidas não podem conter substância farmacêutica, mesmo que de origem fitoterápica. Já os produtos fitoterápicos – ou seja, fabricados com matéria-prima vegetal, como raízes, folhas, sementes, ceras, óleos e extratos que tenham alguma ação terapêutica –, para serem comercializados, precisam ser registrados na Anvisa, comprovando serem seguros para o consumo humano, assim como ocorre no caso de medicamentos.
Vale registrar que, após a morte de Mara Abreu, a agência reguladora proibiu a venda de 140 cápsulas emagrecedoras, muitas delas com composição similar à do produto utilizado pela enfermeira. Contudo, apesar do veto, alguns dos produtos listados pela Anvisa continuam sendo anunciados livremente na internet, conforme reportagem publicada no portal de notícias G1.
Embora fartamente ofertados, medicamentos não devem ser usados sem que haja recomendação de especialistas habilitados, avalia a nutricionista Fernanda Rech Rodrigues. “O Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) exige que os profissionais tenham especialização comprovada para, então, terem autonomia para prescrever o uso de fitoterápicos”, destaca, sublinhando que o fato de serem apresentados como “naturais” costuma gerar nas pessoas a expectativa de serem inofensivos, o que não é verdade.
“Esses compostos podem incluir misturas de vários vegetais, que podem possuir substâncias com graus diversos de toxicidade, afetando sobretudo fígado, responsável pela metabolização do que ingerimos, e rins, responsável pela liberação desses elementos do organismo”, cita, dizendo que, geralmente, quanto maior o número de ingredientes utilizados, mais perigosa é a fórmula.
No mesmo sentido, a médica nefrologista Sandra Vilaça, diretora da clínica Nefrostar e responsável por transplantes no Hospital Felício Rocho, reforça a importância do acompanhamento médico para o consumo de remédios em geral. “O impacto que esses produtos têm sobre o organismo depende de uma série de fatores, como aspectos genéticos, idade e uso de outros medicamentos”, informa, explicando que só com o auxílio de profissionais é possível determinar que produtos podem ser usados e em que dosagem.
Além disso, obviamente, a quantidade ingerida também é fator relevante para a ocorrência de efeitos adversos. Aliás, em exagero, mesmo chás que não possuem propriedades terapêuticas, como o café, podem gerar complicações. “Pessoas que bebem mais de quatro copos por dia estão mais suscetíveis a manifestação de irritação e mais vulneráveis a quadros como a síndrome do pânico”, sinaliza.
E se até o rotineiro cafezinho, quando em excesso, faz mal, fórmulas mais complexas, como as misturas de 50 ervas, são ainda mais perigosas. “A ingestão dessas cápsulas pode gerar problemas como dor no estômago, desequilíbrio intestinal, redução da capacidade do organismo de absorver nutrientes e hepatite. Em casos mais graves, o consumo exagerado dessas substâncias está relacionado à insuficiência renal aguda e à hepatite fulminante, levando a um processo inflamatório sistêmico e grave, com risco de morte”, situa.
Ideal de magreza
A pressão estética – relacionada à cobrança social para que as pessoas se adéquem, a todo custo, aos padrões de beleza – é elemento que precisa ser levado em conta e que está por trás das tragédias envolvendo a enfermeira Mara Abreu e a cantora Paulinha Abelha. Esse fenômeno social, que faz do corpo magro o padrão desejável e que mede o valor de um sujeito pelo seu peso, desperta na sociedade uma ansiedade que alimenta uma perigosa indústria de dietas restritivas, de cirurgias estéticas experimentais e de suspeitos suplementos, medicamentos e chás, que prometem milagres.
“Esse ideal de beleza, que não respeita a individualidade, causa uma demanda da qual o indivíduo não consegue dar conta. Então, de tempos em tempos, surgem novas dietas, programas de emagrecimento e outras promessas milagrosas que alimentam o desenvolvimento de um comer transtornado e também de transtornos alimentares”, analisa Fernanda Rodrigues, advertindo que muitos desses produtos vendem ilusão. “É importante dizer que nenhuma substância isolada é capaz de gerar emagrecimento, que é, necessariamente, um processo multifatorial, que exige manejo do estresse, uma boa rotina de sono, alimentação balanceada, hidratação e atividade física”, resume.
Na mesma linha, a nefrologista Sandra Vilaça lembra que a perda de peso, para ser saudável, não pode estar associada a comportamentos disfuncionais e nocivos para o corpo. “Emagrecer com saúde significa perder gordura e ganhar massa magra, mas a perda de gordura não pode acontecer por meio de diarreia e de perda de água em excesso por meio da urina, como no caso do uso inadvertido de diuréticos”, alerta.
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