Ao voltar da escola, a pequena Lavínia, de 8 anos, rói as unhas. Com o olhar assustado, ela implora à mãe que saiam rápido dali. O que amedronta a menina é o cenário que a rodeia durante o caminho até sua casa. Uma fileira de vagões com toneladas de carga passa pela linha de trem bem ao lado direito da garota. O barulho da fricção das rodas da comitiva com o trilho ajuda a aumentar a tensão. À esquerda, um matagal alto esconde a vista. Para continuar assistindo as aulas do 3º ano, Lavínia vai precisar caminhar por ali muitas vezes.
A menina mora em Nova Era, cidade da região Central de Minas onde chuvas recentes causaram inundações que atingiram estradas nos arredores. Uma das vias de terra servia de trajeto para o ônibus escolar que transporta os alunos da rede pública. À beira do rio Piracicaba, metade da estrada cedeu, a outra metade virou lama, impossibilitando a passagem do veículo. Como o ônibus não consegue avançar, as crianças são obrigadas a vencer o restante do trajeto a pé. Algumas chegam a andar até 5 km, a depender do bairro onde moram.
“Ela caminha quase 30 minutos para chegar em casa, é muito arriscado”, reclama Sibele Rodrigues, mãe de Lavínia. O risco já começa assim que as crianças descem do escolar. O local onde o ônibus consegue deixar os estudantes é uma rua erma rodeada por mato e que abriga um pequeno lixão irregular na lateral. Enquanto os estudantes de 8 a 12 anos passam, o espaço ainda é disputado com carros de autoescola. Segundo as mães de alunos, cenas de sexo e uso de drogas também já foram vistas ali.
Não há outra alternativa a não ser continuar caminhando, ainda que placas instaladas no trajeto não deixem dúvidas: 1) é proibido permanecer neste local e 2) risco de queda de material ou veículos. Lavínia está acompanhada da mãe - ela tem sorte, pois nem todas as crianças têm esse privilégio. Sibele e outras mães estão de ouvido treinado e conseguem perceber que o trem está a caminho antes mesmo dos vagões aparecerem no horizonte. “Eu quero sair daqui”, insiste Lavínia.
A caminhada até o local onde o ônibus chega é penosa. Além da distância, o sol costuma castigar. Ao chegar no rumo da linha do trem, é preciso redobrar a atenção. Caso os vagões ocupem os dois sentidos da linha, o perigo aumenta, pois o espaço para as crianças andarem fica ainda mais reduzido.
Quatro bairros estão sendo afetados pela estrada interditada: Cachoeira, Pedra Furada, Praia Grande e Nova Vila. A prefeitura contabiliza que sejam 41 alunos com problemas de acesso às aulas devido ao ônibus. Alguns não conseguem acompanhantes para levá-los pelo caminho inapropriado. Desses, 13 abandonaram a escola.
Com 11 anos de idade, Davi Santos é um deles. O estudante do 6º ano não vai às aulas desde fevereiro, início do período letivo. A mãe e a avó não podem fazer o trajeto com ele por motivos de saúde. “Tenho deficiência visual e diabetes”, explica a avó Vera Lúcia Cardoso. As horas em que deveria estar estudando, Davi fica em casa mexendo no celular.
Para evitar que o enteado perca as aulas, a trabalhadora rural Lúcia Aparecida da Costa se organiza com o marido para sempre ter alguém junto do menino João Caetano, 12 anos. “Eu vou e volto com mochila pesada e no sol. Chega na metade do caminho, minhas pernas estão doendo”, diz o garoto. Segundo ele, vários de seus colegas não estão frequentando a sala de aula desde que a estrada ruiu.
“À noite é ainda mais complicado, pois não tem iluminação”, explica a cozinheira Josian Santos, que coloca o neto para ir junto da sobrinha. Como eles moram mais próximo do local, o caminho é um pouco diferente e passa por um imprudente atalho aberto no meio da mata.
Nova Era conviveu com desmoronamentos, enchentes e queda de pontes e ainda passa por um período de dificuldades em função das chuvas que comprometeram rodovias da região, como a BR–381, a MGC–120, além de estradas municipais. O prefeito Txai Silva Costa calcula que, no auge das chuvas, o prejuízo foi de R$ 2 milhões por dia.
A prefeitura reconhece o risco ao qual as crianças estão submetidas. A gestão municipal está negociando com a Vale uma autorização para abrir uma via de acesso ao ônibus no terreno da empresa que margeia a estrada interditada. A Vale informou que a área solicitada encontra-se na faixa de domínio da ferrovia e deve ser mantida livre para garantir a segurança das comunidades e da operação ferroviária, conforme exigências legais.
A secretária de Educação da cidade, Andréa Sueli, diz que mandou entregar apostilas na casa dos alunos ausentes. Ela promete que eles serão inseridos em um programa de atendimento intensivo para recuperação quando tudo voltar ao normal. “O prejuízo é muito grande”, assume a gestora municipal. As soluções de momento, no entanto, são paliativas. A prefeitura não tem previsão de quando o problema será resolvido.
A falta de acesso à educação causada por estradas interrompidas é um problema citado por vários prefeitos consultados por O TEMPO durante levantamento junto a 42 microrregionais em Minas Gerais. Em Rio Casa, vizinha a Nova Era, o problema também existe. Em São José do Goiabal, alunos da graduação ficaram sem aula quando o ônibus não conseguiu levá-los para as aulas no Vale do Aço durante as chuvas do início do ano. Segundo o prefeito de Urucuia, Rutílio Eugênio, em toda a zona rural da região Noroeste de Minas Gerais as aulas ainda não foram retomadas devido a estradas interrompidas.
Nem mesmo cidades da região metropolitana de Belo Horizonte estão imunes ao problema. O prefeito Ailton Guimarães, de Nova União, informa que o município ainda tem muita dificuldade para o transporte escolar. “Temos mais de 400 km de estradas de terra. Estamos sofrendo para manter as condições de trafegar”, diz. Em Florestal, na mesma região, o transporte escolar continua sem funcionar até hoje devido à situação crítica das estradas.
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