Em 1958, na Suécia, o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo e fez o planeta se encantar com o futebol vistoso de Pelé, Garrincha, Didi, Vavá e companhia. O que fez o Real Madrid, então tricampeão europeu, convidar o campeão brasileiro daquele ano para um amistoso no grandioso estádio Santiago Bernabéu. Com toda a publicidade feita – por cartazes, comerciais em programas de rádio e em carros de som pela cidade –, o estádio abriu suas portas para um público de aproximadamente 80 mil pessoas, que viu o esquadrão de Di Stéfano, Puskas, Gento, Kopa, Santamaria e Rial enfrentar aqueles que supunham ser o melhor time do Brasil. E em uma tarde fria do outono espanhol, eis que surge no gramado a brava equipe brasileira, formada por: Ademar; Isaías, Gaia, Toledo e Edésio; Salvatore, Murilinho, Waldir Nenezão e Assis; Marinho e Baiano. Comandando o time, no banco de reservas, o técnico Orlando Rodrigues... do Bela Vista!
Quem? Se os brasileiros presentes ao estádio não faziam ideia de quem estava no time, imaginem os espanhóis. A dúvida tinha razão de ser. Afinal, o time de camisas verdes em campo era o desconhecido Bela Vista Futebol Clube, de Sete Lagoas, cidade a 70 quilômetros de Belo Horizonte. Diferentemente do Santos de Pelé, do Botafogo de Garrincha ou mesmo dos colegas de estado Atlético-MG e Cruzeiro, um clube sem glórias. O time só disputaria seu primeiro Campeonato Mineiro na volta da viagem à Europa.
Empresário
Assim como hoje, os empresários já atuavam no futebol. E o Brasil, distante da Europa, era um prato cheio para os grandes golpes em uma época sem internet e com comunicação precária. Um tal Fauszlinger, que a maioria supunha ser alemão e desconhecia o primeiro nome, acertou 30 jogos para o Bela Vista na Europa, com cota razoável para o time mineiro. Com isso, apresentar o desconhecido clube de Sete Lagoas como campeão brasileiro era golpe fácil de aplicar, se feito de forma rápida e eficaz. Fauszlinger, após acertar o jogo com o Real Madrid, fez grande campanha pela cidade e conseguiu mobilizar a opinião pública e lotar o Santiago Bernabéu.
Mas o fato é que o Bela Vista não se intimidou e não fez feio. O jogo foi duro, e os merengues só venceram por 2 a 1, com um gol marcado por Gento nos minutos finais. Não se sabe se os bicampeões europeus jogaram receosos por enfrentarem o 'campeão brasileiro' ou se o Bela Vista realmente deu trabalho ao poderoso Real Madrid.
Aventura na Europa
Após o bom desempenho frente aos espanhóis, o Bela Vista seguiu para a França, onde os problemas da delegação na Europa começaram. Depois da derrota por 3 a 1 para o Olympique, em Marselha, alguns diretores do clube e o técnico Orlando Rodrigues foram ao hipódromo da cidade, de onde saíram apenas por poucas horas nas semanas seguintes. Com comando esfacelado, excesso de partidas marcadas e jogadores soltos em um mundo totalmente desconhecido e repleto de prazeres, a derrocada do Bela Vista em gramados europeus era questão de tempo.
O time ainda tinha jogos marcados na Itália, Suíça, Alemanha Ocidental, Alemanha Oriental, Holanda, Dinamarca e Inglaterra. E cumpriu a maioria deles, mesmo com baixas no elenco. Os jogadores Assis e Marinho, por exemplo, aceitaram propostas de times europeus e deixaram a delegação.
Relação de partidas do Bela Vista, de Sete Lagoas, na Europa (Foto: Arquivo pessoal de Edésio)
Mesmo com todos os percalços, o Bela Vista seguiu pelo velho continente, fazendo jogos duros com times tradicionais, como Grasshoper, da Suíça (1 a 1), Bologna, da Itália (2 a 3) e Hamburgo, da Alemanha (0 a 1).
O golpe fatal ao nome do clube veio na partida contra o Newcastle, da Inglaterra, no St. James Park. Totalmente desfigurado e com o zagueiro Gaia fazendo as vezes de técnico, roupeiro e capitão, o time sofreu impiedosos 12 a 1. A goleada gerou preocupações no CND (Conselho Nacional de Desportos) e no próprio Itamaraty, que exigiram a volta do Bela Vista ao Brasil, para não 'sujar o nome do futebol brasileiro no exterior'.
O Bela Vista ainda fez mais quatro jogos – quatro derrotas – antes de voltar ao Brasil para a disputa do Campeonato Mineiro de 1958. Na bagagem, um saldo de 24 jogos, com três vitórias, dois empates e 19 derrotas. O time fez 29 gols e sofreu 74 em gramados europeus.
Testemunha
O lateral-esquerdo Edésio chegou ao Bela Vista especialmente para a excursão à Europa. E, curiosamente, nunca mais deixou Sete Lagoas.
Nascido em Barra do Piraí, interior do Rio de Janeiro, começou a carreira no Royal, de sua cidade natal. Depois passou por América-RJ e Vasco, onde jogou ao lado de grandes nomes do futebol brasileiro, como o goleiro Pompeia e o zagueiro Djalma Dias, campeões cariocas em 1960, e Ademir Menezes, artilheiro da Copa do Mundo de 1950, já em fim de carreira.
Funcionário aposentado da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Edésio se lembra com detalhes da viagem à Europa.
- A gente viajou em um bimotor da Panair. Parou em Dacar, seguiu para Portugal, e, de lá, direto pra Espanha. Fomos todos para uma tourada, bem interessante. Lembro-me também de quando estávamos na Alemanha, perto do Muro de Berlim. Havia fotos de várias pessoas que morreram na guerra e no meio delas tinha uma do Garrincha, que ocupava um lugar central. E todo mundo parava para olhar.
O ex-jogador também se lembra bem da partida contra o Real Madrid.
- Foi uma surpresa. O estádio estava lotado. E todo mundo na cidade só falava do jogo. Fomos recebidos como os reis do futebol. E por muito pouco, saímos de campo com o empate. O segundo gol deles saiu só no finzinho, e de pênalti.
Casado e pai de dois filhos, Edésio acompanha de perto o futebol, mas diz não gostar do que vê atualmente.
- Torço para o Cruzeiro. Não perco um jogo do time, mas o futebol de hoje é pior do que na minha época. Hoje os times jogam para trás, só pensam em defender e marcar. Quando eu jogava, a gente atacava o tempo todo.
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