O aumento do endividamento dos Estados e municípios nos últimos anos tem impactado os cofres da União. Ao longo dos últimos seis anos, o Tesouro Nacional honrou mais de R$ 42 bilhões em débitos dos governos regionais em operações de crédito em que a União é garantidora. O Estado do Rio de Janeiro responde por mais da metade do rombo nos cofres da União (R$ 26,8 bilhões), enquanto Minas ocupa a segunda posição (R$ 10,3 bilhões).
No ano passado, o Tesouro gastou R$ 8,9 bilhões para honrar as dívidas dos Estados e municípios. Já neste ano, o Orçamento federal previu R$ 10 bilhões para a rubrica. “Esse número compreende estimativas gerenciais para a honra de garantia em 2022 e uma margem adicional para cobrir necessidade de honras em caso de novas adesões ao RRF (Regime de Recuperação Fiscal) e liminares judiciais”, informou o órgão.
Além dos valores honrados em operações de crédito, a União deixa de receber as parcelas da dívida pública de Estados em grave situação fiscal e com liminares do Supremo Tribunal Federal (STF). O Tesouro não tinha informado, até o fechamento da matéria, qual o montante de recursos que deixaram de entrar nos cofres da União nos últimos anos por conta do calote dos Estados. Mas, no caso de Minas, do total da dívida pública, que soma R$ 150 bilhões, R$ 23,8 bilhões não foram repassados à União desde 2018 – quando o Estado obteve suas primeiras liminares autorizando a suspensão do pagamento.
O montante de recursos não repassados à União acaba elevando o custo da própria dívida. No caso de Minas, o custo de inadimplência, ou seja, juros e multas que incidem sobre os valores não pagos, já soma R$ 6,4 bilhões. Além disso, o calote dos Estados e municípios também acaba comprometendo não só as contas públicas e a capacidade de investimento dos próprios entes federados, mas também do governo federal.
“Os pagamentos suspensos têm como contrapartida, em última instância, a necessidade de se aumentar a captação de recursos por meio de dívida mobiliária para honra dos compromissos assumidos pelos entes perante os credores originais, o que resulta em maior grau de endividamento da União e pressões sobre o custo da própria dívida. Nesse contexto, a sociedade como um todo acaba sendo penalizada”, disse o Tesouro Nacional.
Atualmente, Minas e outros Estados não pagam as dívidas graças a liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
No caso do Rio, a situação é um pouco diferente porque o Estado ingressou no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), criado pelo governo de Michel Temer (MDB) para ajudar os entes federados no reequilíbrio das contas públicas.
Diante da dificuldade fiscal de vários Estados, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu diversas liminares suspendendo o pagamento das dívidas com a União em todo o país sob risco de inviabilizar as contas estaduais. Em paralelo, a União tentou algumas renegociações das dívidas com os governos locais e, em 2016, criou o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que já passou por diversas alterações, mas que prevê medida de ajuste fiscal, reequilíbrio das contas públicas e renegociação das dívidas.
O Rio de Janeiro foi o único Estado a aderir, ainda em 2017. Agora, a partir da nova lei – que foi atualizada em 2021 –, o Estado apresentou novo plano, mas ele foi recusado pelo Tesouro Nacional porque previa reajustes salariais. O Rio Grande do Sul foi habilitado pelo Tesouro no último mês de janeiro, mas somente Goiás já teve o plano aprovado e homologado. Minas pediu autorização do Legislativo para ingressar no regime em outubro de 2019, e, até agora, o tema nem sequer foi pautado na Assembleia. O impasse levou o governador Romeu Zema (Novo) a recorrer ao Supremo para que o projeto seja votado.
Na avaliação do consultor do Senado, Josué Pellegrini, a situação atual, em que os Estados já não pagam as dívidas por força de liminares judiciais, associada a uma legislação incerta sobre o RRF, faz com que os Estados não tenham incentivo suficiente para ingressar no regime – que tem duração de nove anos e exige diversas contrapartidas dos Estados.
“Isso acaba criando um incentivo um pouco perverso, porque, se esses Estados já obtêm o benefício na própria Justiça, eles acabam não tendo incentivo a entrar num regime de ajuste fiscal ou de fazer um esforço fiscal maior. Eu acho que é isso que acaba empacando um pouco a entrada de outros Estados nesse novo Regime de Recuperação Fiscal. Me parece que há certo corpo mole. Em Minas Gerais, isso parece mais evidente, porque fica tudo parado lá na Assembleia, e não sei se o Executivo se empenha o necessário para que avance. Já o Rio de Janeiro fica fazendo essas propostas para entrar nesse novo regime que são questionáveis em termos de esforço efetivo”, analisa Pellegrino.
Ele também cita falta de empenho da própria União e avalia que o governo federal perdeu importantes oportunidades de buscar uma solução mais efetiva. “Precisávamos de mudanças institucionais mais amplas, na Constituição, inclusive. Mas infelizmente algumas oportunidades foram perdidas. Aquela PEC Emergencial foi uma oportunidade perdida”, diz.
A professora Angela Moulin citou também a necessidade de mudanças no Pacto Federativo. “Isso era parte do programa do governo. Foi muito discutido em 2019, mas não aconteceu”, pondera.
A situação fiscal de alguns Estados e municípios começou a se complicar em meados de 2015. Nesse ano, o Rio Grande do Sul chegou a ter as contas bloqueadas após dar um calote na União, e o Rio de Janeiro já vinha em processo de renegociação de sua dívida com o governo federal por conta da falta de capacidade de pagamento.
Na avaliação dos especialistas, os motivos para tal cenário são diversos e misturam causas estruturais, conjunturais e também regionais. Mas há um consenso de que a crise econômica desencadeada em 2015 e impulsionada também pela crise política foi um dos pontapés iniciais para se chegar à situação de hoje em vários Estados.
Segundo o consultor do Senado e ex-diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Josué Pellegrini, a economia vinha em uma crescente até 2014, e, a partir do ano seguinte, a crise fez com que as receitas dos Estados despencassem, mas as despesas não caíram na mesma proporção porque, segundo ele, os governos transformaram receitas.
“No governo Lula, tivemos um período de crescimento das receitas E, em 2015, temos uma baita recessão, e a receita cai muito. Aí, a gente nota que a receita – que não era permanente – foi utilizada para fazer gasto permanente. Ou seja, a receita reverte, mas o gasto feito na época da bonança não tem como reverter porque ele é obrigatório”, explica.
Professora da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Angela Moulin acrescenta ainda os gastos de alguns Estados com a Copa do Mundo – realizados um pouco antes da crise, em 2013 e 2014 – e fatores mais conjunturais relacionados à realidade de cada Estado. No caso do Rio, ela cita os gastos também com a estrutura para receber as Olimpíadas de 2016 e a queda do preço do petróleo no mercado internacional.
No caso de Minas Gerais, dados da economia do Estado compilados pela Fundação João Pinheiro (FJP) apontam para um problema parecido. Porém, em vez de petróleo, Minas teve a economia atingida pela queda no preço do minério de ferro a partir de 2014. Naquele ano, o valor da tonelada da commodity no mercado internacional caiu 42% e seguiu oscilando até 2016, quando voltou a crescer. Após esse período, MG ainda passou pelo rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho.
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