A pandemia da Covid-19 reafirmou a invisibilidade de mais de 2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras de nível técnico e auxiliar da área da saúde, segundo um estudo inédito realizado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Os dados revelaram que 80% desses profissionais “invisíveis e periféricos” vivem uma situação de desgaste profissional relacionado ao estresse, à ansiedade e ao esgotamento mental.
O estudo, intitulado “Os trabalhadores invisíveis da Saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil” investigou 21.480 trabalhadores de 2.395 municípios do país. Dos participantes, 70% citaram falta de apoio institucional, e 35,5% disseram sofrer violência ou discriminação durante a pandemia.
A pesquisa contou com a participação de maqueiros, condutores de ambulância, pessoal da manutenção, de apoio operacional, equipe de limpeza, da cozinha, da administração e gestão. Participaram, também, técnicos e auxiliares de enfermagem, de radiologia, de laboratório e análises clínicas, dentistas, agentes comunitários de saúde e agentes de combate à doenças endêmicas.
O estudo procurou analisar as condições de vida, o cotidiano de trabalho e a saúde mental dos trabalhadores que dão assistência no enfrentamento da Covid-19. Segundo os resultados, 36,2% das violências sofridas por eles aconteceu no trabalho, 32,4% na vizinhança e 31,5% no trajeto casa-trabalho-casa.
Mesmo atuando na linha de frente do combate à pandemia, muitos desses trabalhadores não possuem “cidadania de profissional da saúde”. A coordenadora da pesquisa, Maria Helena Machado alerta sobre os efeitos que esses agentes sofrem.
“As consequências da pandemia para esse grupo de trabalhadores são muito mais desastrosas. São pessoas que trabalham quase sempre cumprindo ordens de forma silenciosa e completamente invisibilizadas pela gestão, por suas chefias imediatas, pela equipe de saúde em geral e até pela população usuária que busca atendimento e assistência”, pontua.
Ela acrescenta: “Portanto, são desprovidos de cidadania social, técnica e trabalhista. Falta o valioso pertencimento de sua atividade e ramo profissional. A pesquisa evidencia uma invisibilidade assustadora e cruel nas instituições, cujo resultado é o adoecimento, o desestímulo em relação ao trabalho e a desesperança”.
Os resultados da pesquisa também mostram que 53% desses trabalhadores não se sentem protegidos contra a Covid-19. Do total, 23,1% sentem medo de se contaminarem, 22,4% mencionaram a falta de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e 12,7% apontaram falta de estrutura adequada para trabalharem.
Segundo 54,4% dos “invisíveis e periféricos”, houve negligência sobre a capacitação quanto aos processos da Covid-19 e aos procedimentos e protocolos para o uso de EPIs. Dos profissionais ouvidos, 47,9% consideraram as exigências físicas e mentais como muito altas. Outros 50,9% afirmaram excesso de trabalho.
De acordo com o relatório, as mulheres representam a maioria dos trabalhadores “invisíveis” da saúde, sendo 72,5% do total. Os pretos/pardos configuram 59%. Ainda, 32,9% são jovens de até 35 anos, e 50,3% estão na faixa etária de 36 a 50 anos.
Outro dado apontado pela pesquisa são as comorbidades de alguns desses profissionais. Mesmo que sejam relativamente jovens, 31,9% afirmaram ter hipertensão; 15,1%, obesidade; 12,9%, doenças pulmonares, 11,7%, depressão; e 10,4%, diabetes.
Os centros de saúde de maior atuação são os hospitais públicos (29,3%), seguidos pela atenção primária em saúde (27,3) e hospitais privados (10,7%). De acordo com os resultados. 85,5% cumprem jornada de trabalho de até 60 horas semanais.
“Temos depoimentos recorrentes da realização de ‘plantões extras’ para cobrir o colega faltoso – por afastamento provocado por contaminação ou morte por Covid-19 –, mas eles não consideram essa atividade outro emprego, e sim um bico”, disse a coordenadora da pesquisa.
Ela aponta que “muitos deles declaram fazer atividade extra como pedreiro, ajudante de pedreiro, segurança ou porteiro de prédio residencial ou comercial, mototáxi, motorista de aplicativo, babá, diarista, manicure, vendedores ambulantes etc”. “É um mundo muito desigual e socialmente inaceitável”, afirma.
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