Das salas de aula para a tela do computador e dos celulares, a pandemia do coronavírus obrigou com que todas as escolas permanessem fechadas por quase um ano e meio em Minas Gerais. Enquanto muitos estudantes sequer possuíam acesso a internet, a nova rotina virtual acentuou ainda mais as desigualdades. E os impactos também apareceram no Enem, principal exame para acesso às universidades públicas do país e ao Prouni: a próxima edição, que acontece nos dias 21 e 28 de novembro, teve o menor número de inscritos dos últimos 16 anos. Ao todo, são pouco mais de 3,4 milhões de estudantes, contra 5,7 milhões no ano passado - o pico ocorreu em 2014, com 8,7 milhões de inscrições.
Professora do Redação e Cia., cursinho que atende principalmente alunos de escolas públicas, Ione Soares comentou sobre as principais dificuldades nesse período. “Alguns sequer tinham um computador, até conseguirem foi uma luta. A pandemia evidenciou ainda mais essa divisão de classes, fez com que esse aluno ficasse cada vez mais distante de outras da escola particular”, pontuou. Com isso, segundo Soares, cresceu a desmotivação. “Eu tenho alunos que estudam comigo e falaram que não iam fazer o Enem, que não estavam preparados e seguros. E os problemas financeiros também contribuíram. Trabalhamos com essa questão motivacional, para que eles vejam que não há outra saída de um futuro melhor que não seja a educação”, enfatizou.
Sara Vitória Marques, 18, é aluna do terceiro ano na Escola Estadual Santos Dumont, na região de Venda Nova, e também faz o cursinho de redação. Diante das aulas remotas desde o ano passado, ela contou que as adversidades quase a fizeram desistir de prestar o Enem em 2021. “Estou finalizando o ensino médio e foi muito complicado lidar com o virtual. Estudar de casa, sem acompanhamento do professor, me desmotivou muito. Eu achava que não ia alcançar a nota que preciso para entrar na faculdade e isso foi bem complicado”, alegou. A jovem quer passar em Medicina. “É o meu sonho desde menina, me tornar a médica da família”, disse.
Por conta da greve dos professores e da pandemia, a estudante lembrou que em 2020 só houve quatro dias de aula presencial. “Isso prejudicou bastante. Enquanto a rede particular mandava atividades, provas e aulas virtuais, na minha escola demorou muito para que isso acontecesse”, alegou. Rosângela Pimenta, que também é professora do Redação e Cia., citou a falta de apoio a esses estudantes. “Não teve nenhum incentivo (para o Enem) e muitos alunos perderam o interesse. A deficiência é muito grande, principalmente em relação ao desconhecimento de algumas estratégias, dificuldade ortográfica”, exemplificou.
Já Tayná Martins, 19, vai tentar o Enem pela segunda vez e pretende cursar Nutrição. Também aluna de escola pública, ela disse que precisou ser ainda mais esforçada neste ano para se preparar. “Na minha escola, o ensino voltado para a redação era muito escasso. E essa troca repentina do presencial para o online também teve grande impacto, não estava acostumada. Estou bastante ansiosa, mas estudando desde o início do ano. Em janeiro (última edição do exame), foi muito conturbado, não estava vacinada e fiquei preocupada por conta dessa questão da Covid-19”, pontuou.
Para a professora de Química do Colégio Nossa Senhora das Dores, Giovana Mayrink, a falta da troca de conhecimentos que existia dentro das salas de aula também prejudicaram a preparação nesse período. “A grande maioria dos alunos que vai tentar o Enem tive quase todo o segundo ano e a metade do terceiro essencialmente no regime remoto. Muitos vinham desabafar sobre a dificuldade até mesmo de acordar e ficar sentado na frente de um computador para assistir horas de atividades online. Essa pandemia exigiu uma autonomia e disciplina muito grande”, explicou.
Além disso, Mayrink disse que diversos alunos perderam familiares, amigos e pessoas queridas para a doença. “O Enem já é uma prova que exige demais, e esse período, por si, com a formação do ensino médio para ingressar em uma universidade, já gera preocupações que os alunos têm normalmente e geram uma ansiedade muito grande. Somado a isso, tivemos muitas perdas”, alegou. Estudante do colégio, Ana Júlia Botaro, 17, disse que tentou se preparar da melhor forma possível. “Eu sabia que quando retornasse não teria tempo de rever e estudar novamente matérias dadas no virtual. E quando o ensino presencial retornou, ficou mais fácil, porque o foco é maior que em casa”, disse.
Mesmo frustrada por conta das limitações trazidas pela pandemia, Ana Júlia contou que com o passar do tempo conseguiu lidar melhor com essas adversidades. “Saber que eu estaria perdendo experiências que só o terceiro ano tem me deixou um pouco abalada e decepcionada, principalmente porque eu tinha muita esperança em retornar já no início do ano. Depois percebi que isso não era mais tão importante e quando chegasse o momento, aproveitaria o máximo, principalmente com a proximidade do Enem”.
Diante dos imensos desafios para a educação trazidos pela pandemia, o professor de Matemática e Física Felipe Guizoli, que é fundador do Universo Narrado, disse que as plataformas virtuais de ensino vieram para ficar e são um suporte a mais para o estudante, principalmente com relação ao Enem. “A vídeo aula traz muitas comodidades que o presencial não traz. É claro que cada uma tem as suas vantagens, e por isso eu acho que as duas coisas se complementam e não concorrem entre si”, afirmou.
Conforme o professor, as escolas não conseguiram acompanhar as transformações tecnológicas, principalmente dos últimos 15 anos. Porém, foram obrigadas a se adaptar desde 2020 e é “algo que não tem como voltar muito atrás”. Além disso, Guizoli alegou que o ensino remoto permite com que cada estudante assimile os conteúdos no seu tempo. “É algo que eu, como professor, sempre me incomodava. Dar uma aula para 60, 70 alunos, cada um diferente, com uma velocidade de aprendizado, dificuldade, só que você precisa dar a mesma aula. O vídeo, quando bem conduzido, acaba possibilitando que cada um assista no seu tempo. Quem sabe menos coloca mais devagar, outros adiantam”, frisou.
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