Além de discursos, notas de repúdio e abertura de inquéritos, o STF tem nas mãos um grande poder para enquadrar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido): a pauta de julgamentos. Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes, eleito o principal adversário do presidente, liberou para julgamento os processos sobre a política armamentista do governo federal. A tendência é de que o tribunal derrube as normas que ampliam o porte de armas no país.
No fim de agosto, Bolsonaro proferiu a frase polêmica: "tem que todo mundo comprar fuzil, pô". Voltou a dizer que o povo armado jamais será escravizado. E ironizou quem defende a compra de feijão em vez de armas. Desde a campanha de 2018, Bolsonaro discursa a favor da ampliação do porte e da posse de armas no país. No governo, fez de tudo para tornar essa ideia realidade. Mas não contava que o STF seria uma pedra nesse caminho.
O STF começou a julgar sete ações contra decretos e normas sobre armas no plenário virtual, um ambiente em que os ministros postam seus votos e, ao fim de uma semana, é divulgado o resultado. Em fevereiro, Alexandre de Moraes pediu vista para analisar melhor o caso. Já tinha feito isso em relação a outros processos em abril. Moraes escolheu justamente agora, um momento em que a tensão entre Bolsonaro e o Judiciário chegou ao ápice, para cutucar o governo. O julgamento de todas as ações será retomado na sexta-feira (17).
Ministros do Supremo disseram à coluna em caráter reservado que devem ser confirmadas as liminares concedidas por Edson Fachin e Rosa Weber contra a proliferação de armas de fogo, ao contrário dos interesses de Bolsonaro. Nesse momento de guerra, é uma derrota importante para o presidente e pode acirrar novamente os ânimos entre os poderes, depois de uma breve trégua com a nota de recuo que Bolsonaro divulgou na quinta-feira (9).
Mesmo que Moraes seja o principal inimigo de Bolsonaro agora, a expectativa no tribunal é de que ele discorde dos relatores e legitime os decretos e normas do governo. Kassio Nunes Marques deve concordar com Moraes. Ambos devem ficar na corrente minoritária no julgamento.
Fachin é relator de duas ações. Em uma delas, deu liminar para suspender a alíquota zero para importações de armas de fogo. A decisão permitiu que o índice de 20% fosse retomado. Em outro caso, Fachin não deu liminar e levou o caso direto para o plenário virtual. A ação contesta decreto de 2019 que flexibiliza a posse de armas.
Antes do decreto, era preciso comprovar a existência de efetiva necessidade para obter a posse de arma. A pessoa precisava provar, por exemplo, que morava em uma área afastada de delegacia, ou que a profissão exigia proteção pessoal extra. A norma definiu a presunção de veracidade da declaração pessoal de efetiva necessidade, transferindo para o poder público a tarefa de comprovar que aquela pessoa não precisa de uma arma.
As outras ações são de relatoria de Rosa Weber e questionam a norma que aumentou de quatro para seis o limite de armas de fogo que uma pessoa pode adquirir, entre outras medidas. Em decisão liminar, a ministra suspendeu a vigência dos decretos.
Rosa Weber também suspendeu a dispensa prévia de autorização do Comando do Exército para colecionadores e atiradores adquirirem armas. Também foi suspensa a permissão para policiais, magistrados, agentes prisionais e integrantes do Ministério Público comprarem duas armas para uso restrito. As liminares devem tomar caráter definitivo depois do julgamento.
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