Tinha tudo para desandar, mas deu certo. O chef Felipe Oliveira rebolou para não fechar o Ora, seu restaurante em Tiradentes, quando a cidade, com fama de boa mesa, determinou que o comércio desse um tempo devido à pandemia. Transferiu o negócio durante quatro meses para Belo Horizonte em formato de delivery, e o ganho o surpreendeu. “No fechamento, achamos outro caminho. Divulguei meu negócio na capital e evitei perder um sonho”, conta. Os perrengues, no entanto, não cessaram. Na véspera do réveillon, uma surpresa. A cidade seria fechada novamente, e os refrigeradores do Ora estavam com estoque de ingredientes para 15 dias. Tudo teve que ser doado para evitar o desperdício. Passado esse período de destempero, Oliveira agora dá um sorriso largo. O pequeno Ora vai ocupar o imóvel ao lado, mais amplo. E uma filial está em vias de ser inaugurada em Divinópolis, na região Centro-Oeste. “Se não fosse a pandemia, talvez eu não faria isso”, conta.
Em meio aos estragos pelo vírus, a pandemia se transformou em uma janela de oportunidades para alguns. “Eu pensei: vamos voltar melhor ainda”, relembra o cozinheiro, que participou da edição de 2019 do “Mestre do Sabor”, o reality show de culinária da TV Globo. Ele aposta na tradição turística e gastronômica da cidade para fazer previsões esperançosas. “Tiradentes é um lugar abençoado. Já era muito movimentada, e há meses a cidade está sempre cheia. Estou muito otimista”, diz.
É como se alguém tivesse colocado fermento na demanda turística, que não para de crescer. O respingo nada sutil é sentido também em estabelecimentos sem intenção de abrir outra unidade, mas que precisam injetar energia – e dinheiro – para ampliar as estruturas já existentes. “Há muito tempo o restaurante não ficava com tanta fila de espera e reserva”, comemora Geraldo Fonseca, dono do Padre Toledo. Um dos restaurantes mais antigos de Tiradentes, a casa está comemorando 51 anos e tem recebido chefs celebrados para fazerem jantares especiais – sempre lotados.
O aquecimento é tão intenso que o pequeno município já passa por falta de mão de obra em algumas atividades específicas, como garçom e auxiliar de cozinha. O Padre Toledo mesmo está com vagas em aberto. “Nossa demanda aumentou 50% desde julho”, diz Fonseca.
“Nada mais legal para socializar do que em um restaurante”, sugere Oliveira. Se levar em conta o entra e sai de fregueses nas pequenas casas gastronômicas de Tiradentes, o chef tem razão. Numa cidade com imóveis tão pequenos, cumprir distanciamento social é algo custoso – apesar de a prefeitura afirmar que realiza a fiscalização com afinco. Conseguir mesa livre nos bares e restaurantes exige paciência, especialmente de sexta-feira em diante. “As pessoas estão doidas para viajar”, testemunha o cozinheiro.
Essa fome de passeios e distração também alcançou o radar gastronômico de outro chef famoso da cidade. Rodolfo Mayer tem sua notoriedade alicerçada no comando da cozinha do restaurante Angatu. Um mês antes da pandemia, investiu em uma sorveteria chique, a Gelatos da Vila.
Agora, está aumentando as chamas de seu fogão para a inauguração de um novo bar, que deve ocorrer daqui a dois meses. Ele detalha sua percepção sobre a força turística na cidade. “Como ninguém está viajando para fora, as pessoas estão preferindo destinos aonde seja possível ir de carro. Tiradentes anda na contramão dos grandes centros”, diz.
Entre as 300 pousadas, a Relicário é a mais nova em Tiradentes. Ela foi inaugurada em dezembro, em momento de incertezas. “Fizemos um estudo de mercado”, diz a proprietária Elizabeth Cruz, que viu muitas hospedarias fecharem na pandemia.
O estabelecimento já nasceu com as adaptações recomendadas pelos protocolos, implementadas por uma química. O café da manhã é servido em horários distintos para evitar contato entre os hóspedes. “O hóspede está com muito receio e pergunta todos os detalhes”, explica. Tanto esmero surte bons resultados. A empresária já tem planejada a abertura de nova pousada em Bichinho, distrito de Prados e colado em Tiradentes.
“O momento é de repensar o negócio. Quem está atento às novas necessidades e avaliando a melhor forma de vender os serviços e produtos passa com mais facilidade a essa fase”, diz o analista do Sebrae Minas, Renato Lana.
Enquanto Tiradentes se reorganiza e amplia seu cardápio – uma vinícola do rótulo Luiz Porto será inaugurada em breve –, os turistas chegam aos montes e com os bolsos cheios. “É a primeira viagem que faço na pandemia. Aqui, a gente é muito bem recebido, a comida é deliciosa”, diz Cláudia Dessimoni. “Estou me sentindo segura. Já estou planejando voltar”, completa a turista, que não visitava o lugar havia 30 anos.
Morador recente de Tiradentes, o chef Pedro Mendes também acabou levado à cidade pela vibração gastronômica. Após passagens por restaurantes na França, no Equador e na Espanha, Mendes se diz atraído pelo fluxo turístico robusto da localidade, onde pretende realizar algo em sua área. “A cidade proporciona uma qualidade de vida”, promete.
O turista interessado em visitar a cidade histórica precisa reservar um quarto de pousada com antecedência. O município tem ficado sem vagas livres aos finais de semana para o viajante que deixa a reserva para o último momento.
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