Os impactos da pandemia de Covid sobre a renda dos trabalhadores e principalmente sobre os empregos poderão ser sentidos até nove anos depois de o coronavírus fazer a primeira vítima no Brasil. É o que mostra estudo do Banco Mundial, que analisou os efeitos de outras grandes crises econômicas deflagradas por diferentes motivos sobre países como o Brasil, o Chile e o México. A conclusão do levantamento, apresentada ontem, não é nada animadora. Indica que a recuperação, quando realmente acontece, é com menos postos de trabalho – e mais precários.
Segundo Joana Silva, coautora do estudo “Emprego em crise - Trajetória para Melhores Empregos na América Latina pós-Covid-19”, isso acontece porque vários empregos formais são eliminados de forma persistente durante uma grave crise. De acordo com o relatório, a perda dessas vagas chega a 3% na América Latina, e, no Brasil é ainda maior: 4%. Nas situações em que houve retomada, ela se deu por meio do emprego informal, que cresce em média 2%. Na prática, significa um país com muitos trabalhadores empurrados para a informalidade.
Foi exatamente o que aconteceu com V.A.C.P., de 27 anos. Quando a pandemia começou, ela trabalhava há oito meses numa loja de lingeries na Savassi, em Belo Horizonte. Com carteira assinada, recebia R$ 1.500 de salário e com a comissão de 3% sobre as vendas tirava, no mínimo, R$ 2 mil líquidos por mês, fora o vale-refeição de R$ 500.
Mas a patroa só conseguiu manter o negócio por mais três meses. “Ninguém imaginava que a pandemia fosse durar tanto. A loja fechou de vez e as três funcionárias foram demitidas”. Desde então, V. conseguiu dois trabalhos: em uma oficina de motos e em uma escola de estética, mas em nenhum foi “fichada”. No último, onde ganhava R$ 900 por mês, não havia sequer vale-transporte. “Depois da pandemia, o pessoal quer pagar muito pouco, porque tem muita gente sem emprego, desesperada por uma oportunidade”. V. agora vende maquiagem por conta própria e se prepara para fazer um curso de aplicação de cílios e tornar autônoma. “Mas trabalhar com carteira é outra coisa. Você consegue se planejar. Não tem que matar um leão por dia”, diz.
Ainda segundo o relatório do Banco Mundial, trabalhadores menos qualificados passam a ter uma renda mais baixa por uma década após a crise. Já os mais qualificados, com ensino superior, conseguem se recuperar em um ou dois anos. Tudo isso agrava a desigualdade.
Para amortecer efeitos do desemprego, o estudo sugere o reforço de medidas como o seguro-desemprego e ações para promover oportunidades locais de emprego.
Briga por vagas vai mobilizar até profissional qualificado
A recolocação de profissionais menos qualificados deverá ser ainda mais árdua diante da grande competição pelas vagas que surgirem – disputadas inclusive por candidatos altamente capacitados, mas também sem ocupação formal.
“A pandemia deixou ainda mais cruel a necessidade de qualificação, a exclusão e a precarização dessa massa de trabalhadores menos qualificados”, diz Mafalda Ruivo Valente, economista e professora das Faculdades Promove.
Situação que já tira o sono de Isabela Gomes, de 37 anos. Demitida em março da loja onde trabalhava há 4 anos, em Betim, ela tem o ensino fundamental e agora faz faxinas e vende cosméticos. “Não faço ideia de quando vou conseguir outro emprego de carteira assinada. Quando converso com pessoas que têm faculdade e não conseguem emprego, o que me dá é desânimo”, desabafa Isabela, que ganha R$ 1.500 mensais, metade do que conseguia nos tempos de vendedora.
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