Mesmo com a recuperação da venda de veículos desde o baque do início da pandemia, montadoras seguem paralisando atividades de linhas de produção no Brasil por falta de peças. Neste mês, pelo menos três linhas, uma da General Motors (GM) e duas da Volkswagen, terão atividades suspensas. Ao mesmo tempo, analistas preveem que a escassez de insumos pode se arrastar ao longo de 2021 e se agravar caso haja um repique da pandemia.
Só entre janeiro e abril deste ano, 50 mil veículos deixaram de ser produzidos no país em meio a sucessivas paralisações de montadoras, segundo avaliação do consultor da empresa de análise de mercado Bright, Cassio Pagliarini, especialista na indústria automobilística. Com a incerteza sobre a regularização do fornecimento de matéria-prima, especialmente de chips utilizados nos carros, e o temor de uma terceira onda da pandemia no Brasil, ele não descarta que o número possa crescer. “Se a fábrica está com problemas com componentes, a cidade está fechada e o risco de contaminação na planta aumenta, ela para de novo”, pontua.
Desde segunda-feira, uma das linhas de produção da GM está paralisada, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, e só deve voltar no dia 2 de agosto, envolvendo 800 trabalhadores, que serão beneficiados pelo programa de manutenção de empregos do governo federal, de acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos da cidade. Outra paralisação será iniciada no dia 21 de maio e também seguirá até 2 de agosto.
A empresa afirma que a parada integra uma readequação para receber a montagem da nova picape Chevrolet, parte de um plano de investimento de R$ 10 bilhões. O Sindicato de Metalúrgicos reforça que a falta de peças impactou a paralisação.
Em São José dos Pinhais, no Paraná, e em Taubaté, em São Paulo, duas linhas da Volkswagen também serão paralisadas por dez dias a partir da próxima segunda-feira, devido à falta de peças, que, segundo a empresa, se arrasta desde a virada do ano.
Na perspectiva de Cassio Pagliarini, a produção e as vendas de veículos no Brasil dependerão, nos próximos meses, dos rumos da pandemia. “Ainda acredito que o mercado vai se acomodar no segundo semestre, mas vejo empresas dizendo que as soluções demorarão um ano e só chegarão em 2022”, disse.
Antonio Filosa, presidente da Stellantis para a América do Sul, reconhece o problema. “Existem algumas carências de componentes globais que afetam a planta de Betim e as plantas dos nossos fornecedores. Essa crise de componentes, sobretudo de semicondutores e microchips, não será resolvida plenamente este ano, somente na segunda metade do ano que vem”, diz. Filosa afirma que quase 100% dos semicondutores são produzidos na Ásia e o setor automotivo representa 5% da demanda deles. A maior parte da produção vai para o setor de tecnologia.
Pagliarini explica que há a previsão de que, em junho deste ano, se não tiver lockdown, se o número diário de mortes por Covid não aumentar e hospitais continuarem com capacidade, o setor de automóveis venderá no país 198 mil veículos. Mas essa projeção cai para 183 mil, no caso de piora da pandemia.
Semicondutores caros e ‘raros’
Em meio à alta do valor de insumos como o aço, montadoras e analistas apontam que a crise global de escassez de semicondutores está no centro da falta de peças na indústria. Os semicondutores são componentes de chips presentes até nos carros mais populares, responsáveis por partes do painel eletrônico e dos freios ABS, por exemplo.
Com o recuo da indústria automotiva no começo da pandemia e a explosão de demanda por eletrônicos, a produção mundial dos chips, concentrada na Ásia, voltou-se para os celulares e videogames, por exemplo, explica o presidente da organização de estudos de mobilidade SAE Brasil, Camilo Adas.
“Quando a indústria automotiva reaqueceu e começou a demandar semicondutores, a produção estava vendida ou direcionada. Outro fenômeno são os processos logísticos globais: quando você fecha um porto por causa da pandemia, existe toda uma quebra da cadeia logística. Neste ano, com certeza vai ser difícil ter uma regularização da produção, porque ainda estamos em um período de se acomodar”, avalia.
A Volkswagen, por exemplo, diz não ter previsão de recebimento de semicondutores para as linhas de produção paradas pelo menos nas “próximas semanas”.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) estima que o desabastecimento dure o ano inteiro. “No início do ano, microparadas (de linhas de produção) começaram a acontecer, e de lá para cá esse problema continua, comprometendo o funcionamento de linhas de produção inteiras e obrigando algumas fábricas a parar temporariamente. O que mais preocupa no momento são os semicondutores, um problema de nível global, que não será solucionando ainda neste ano”, conclui, por meio de nota. (Colaborou Helenice Laguardia)
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