Dados do Ministério da Saúde indicam que até 539 pessoas podem ter recebido doses da vacina contra a Covid-19 com prazos de validade vencidos em 54 municípios de Minas Gerais. Sete Lagoas é um dos municípios com um registro do Lote 4120z001. Algumas prefeituras relatam equívocos no envio das fichas ou falhas no sistema e negam o ocorrido.
A diferença entre as datas de vencimento e de aplicação chega a 25 dias, segundo apurou a reportagem. Registros enviados por meio do sistema de informação do Plano Nacional de Imunizações (SI-PNI) mostram que uma profissional da saúde de 45 anos, em Pompéu, e um homem de 61, em Belo Horizonte, teriam recebido na última sexta-feira (23) doses que deveriam ter sido utilizadas no máximo até o dia 29 de março.
O problema se resume a duas remessas do imunizante Covishield (AstraZeneca/Fiocruz), mais especificamente os lotes 4120z001 e 4120z005, importados da Índia para o Brasil já com os fármacos envasados. As validades eram de seis meses a partir da fabricação, em outubro do ano passado, e expiraram nos dias 29 de março e 14 de abril, respectivamente.
Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou que, até o momento, não recebeu nenhuma notificação formal das prefeituras informando a possível utilização de vacinas fora do prazo de validade.
De acordo com a secretaria, pessoas que tiverem recebido doses vencidas deverão tomar uma nova injeção para obter a imunização correta. O cidadão pode verificar o fabricante, o número do lote e a data da aplicação no cartão de vacinação e, caso suspeite ter sido vítima do erro, deverá procurar o serviço de saúde.
“A SES-MG esclarece que a administração de vacina fora do prazo de validade é considerada inválida e orienta os municípios que registrem a ocorrência e administrem outra dose de vacina”, diz o comunicado.
Questionada pela reportagem, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), parceira da AstraZeneca no Brasil, ressaltou ter entregue os lotes com mais de dois meses de antecedência em relação aos vencimentos. A instituição não comentou os possíveis efeitos colaterais, mas alertou que o uso fora da validade pode comprometer os resultados esperados da imunização contra a Covid-19.
Sobre o risco aos pacientes, o PNI determina que qualquer ocorrência médica num período de 30 dias após a injeção, independentemente dos sintomas e da eventual relação com a aplicação, deve ser considerada como um evento adverso pós-vacinação e notificada às autoridades de saúde para o devido monitoramento do paciente.
De acordo com os registros, a cidade mineira com mais aplicações suspeitas é Governador Valadares, no Vale do Rio Doce. Ao todo, 125 pessoas teriam tomado doses do primeiro lote com atrasos de entre três e 22 dias após o prazo adequado. A reportagem solicitou esclarecimentos à prefeitura e aguarda um retorno.
Em seguida aparece Belo Horizonte, com 80 casos no total, sendo 70 deles no Centro de Saúde Cabana, na região Oeste da capital. Questionada, a prefeitura iniciou uma apuração e concluiu que não houve utilização de doses vencidas no Cabana e, sim, equívoco no envio dos dados de pessoas vacinadas em um posto móvel localizado no bairro homônimo.
“Foram verificados os cartões de vacinação dos usuários. O que ocorreu foi o efetivo lançamento no sistema após o prazo de vencimento. As aplicações foram feitas no dia 27 de março, data anterior à validade do imunizante. A vacinação aconteceu em um ponto de drive-thru, e o registo está vinculado ao Centro de Saúde Cabana, unidade mais próxima do local”, detalhou a PBH.
A reportagem também questionou a prefeitura da capital sobre os outros dez casos suspeitos e ainda aguarda a resposta. “Adotando o mesmo procedimento de apuração, as demais situações estão sendo averiguadas, e a Secretaria Municipal de Saúde está avaliando os cartões de vacinação dos usuários. Até o momento, não foi constatada nenhuma irregularidade nas aplicações”, informou a PBH.
Outros municípios com muitos registros de aplicações vencidas também negaram o problema. Em nota publicada nas redes sociais, a Prefeitura de Botelhos garante que as 52 doses suspeitas foram aplicadas dentro da validade, mas não explica a divergência nos registros. Segundo o município, as injeções do primeiro lote foram todas administradas até o dia 5 de março, e as do segundo, até 10 de fevereiro. “Fiquem tranquilos”, diz o texto.
Em Mendes Pimentel, a servidora responsável pela sala de vacinação também negou o uso de 22 imunizantes vencidos e apontou uma falha na plataforma digital do Ministério da Saúde. Segundo ela, os lotes da AstraZeneca teriam sido registrados de forma automática em fichas de pacientes vacinados corretamente com doses de outras remessas.
A reportagem também fez contato com mais prefeituras envolvidas, e esta reportagem será atualizada caso outros municípios se manifestem. O Ministério da Saúde foi procurado para esclarecer os supostos erros no sistema, mas ainda não respondeu.
Levantamento do site Metópoles havia mostrado que, até o último dia 20 de abril, a suspeita de vacinação com os lotes vencidos envolvia 1.254 doses espalhadas por 160 municípios de 23 Estados brasileiros.
Uma das cidades indentificadas pela reportagem reconheceu a aplicação após o prazo de validade. A prefeitura de Dracena (SP) admitiu os 80 casos e convocou os moradores afetados para tomarem uma nova dose.
A publicação lembrou que, em Belo Horizonte, o vereador Wilsinho da Tabu (PP) havia cobrado informações da Prefeitura no fim de março sobre a possível perda da carga. Ele disse que “observou o incômodo dos usuários ao perceber frascos fechados da vacina com a validade próxima de expirar”.
O Metrópoles ressaltou também que a Fiocruz obteve a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar as doses ainda no dia 31 de dezembro de 2020. Duas semanas depois, o Ministério da Saúde anunciou o voo que buscaria a carga, mas a viagem foi cancelada após um atrito com o governo da Índia por conta de um adesivo colocado na aeronave pela equipe de marketing da gestão federal. As remessas só chegam ao Brasil no dia 22 de janeiro.
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