Quando voltar com as aulas presenciais?, eis a questão. O dilema entre os impactos no aprendizado de crianças e adolescentes versus o possível aumento da transmissão do coronavírus e, por consequência, o aumento da quantidade de vítimas na pandemia que já matou mais de 350 mil pessoas no Brasil permeiam as discussões entre especialistas no assunto, decisores políticos e, claro, cada uma das famílias com filhos matriculados nas escolas do país. A pedido da reportagem, pesquisadores e professores dos departamentos de Sociologia e Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) fizeram uma simulação dos impactos da volta às aulas na propagação do Sars-Cov-2.
Os resultados mostram que num grupo de crianças e adolescentes com idade entre 6 e 14 anos um só aluno infectado numa sala com outros 20 tem potencial para contaminar outros 60 do círculo familiar dos estudantes em apenas 15 dias. Isso com todos eles usando máscara no colégio. Sem o equipamento de proteção, seriam 90 os infectados em apenas dez dias.
“Dados mostram que abrir escolas implica colocar em circulação o vírus. Sem aplicar testes e isolar casos, a abertura será um tiro na escuridão. É previsível que vai agravar a situação”, afirma o professor de sociologia da UFMG, Silvio Salej Higgins, que fez o trabalho junto do professor Adrian Hinojosa Luna e dos pesquisadores Andreia Pinto Rabelo, Vanessa Cardoso e Reinaldo Onofre.
Para evitar um boom de casos, ele defende protocolos rigorosos de testagem de alunos, professores e demais integrantes da comunidade escolar. “Pergunta não é abrir ou não abrir, mas como abrir e a capacidade que as equipes escolares e de vigilância terão de fazer triagem”. E adverte que, por outro lado, futuramente vamos saber os impactos do fechamento de escolas por mais de um ano.
A simulação estabeleceu três grupos etários (0 a 5, 6 a 14 e 15 a 19 anos) para adotar os parâmetros da chamada taxa de contato definida na literatura científica para cada um deles. Trabalhos anteriores atestam que os mais novos são aqueles com menos contato físico e interação social, enquanto o grupo de 6 a 14 anos apresenta a taxa mais elevada. “A socialização é maior que o de crianças com menos de 5 anos”, pontua Reinaldo Onofre dos Santos.
Isso faz com que o grupo intermediário seja o grupo de maior transmissão do coronavírus. Adolescentes de 15 a 19 anos apresentam risco semelhante.
Pela simulação, os alunos retornariam às salas de aulas com alguns protocolos básicos, como a presença de só 20 alunos em sala e a obrigação de uso de máscara respiratória (no caso, estipulou-se eficácia média de 68,5%).
Isso posto, os pesquisadores simularam os efeitos do processo de contágio entre os alunos e suas famílias.
Contudo, dada a necessidade de estudos mais aprofundados, a simulação não considerou alguns fatores que poderiam elevar ainda mais a transmissão do coronavírus na sociedade, como os contatos no transporte público.
Ao se analisar os resultados do grupo etário mais jovem, com idade entre 0 e 5 anos, percebe-se que a contaminação foi a mais branda. No contexto em que só uma criança está infectada, com o uso de máscara, o pico da infecção se dá após 60 dias, e são menos de dez os infectados. Mas a inserção de cinco infectados na sala faz com que o pico caia para o dia 22, e agora são cerca de 18 os infectados.
Já ao se avaliar o grupo etário mais velho, com idade entre 15 e 18 anos, o ingresso de um infectado na sala de aula pode resultar na contaminação de cerca de 40 pessoas, entre alunos e familiares, após 13 dias. Ou seja, um a cada três estaria contaminado pelo coronavírus.
Caso sejam introduzidos cinco infectados ao grupo de estudantes, o pico cai para o 11º dia e a quantidade de infectados dobra, passando para 80. O cenário é ainda pior se forem dez os infectados. Após nove dias, dois terços do grupo estudado (ou 80 deles) estariam com a Covid-19. Os dados consideram que todos estariam usando máscara em sala.
Para se cortar a transmissão e não se chegar ao pico de contágio, uma alternativa é estabelecer rigorosa testagem de todos. “O sucesso da Coreia do Sul foi a triagem diária”, afirma Salej, ressaltando que o controle foi feito numa fase da pandemia que a transmissão ainda estava controlada.
“A escola não é uma ilha. Dado que é um espaço que propicia contatos epidemiologicamente relevantes, os controles de barreira de possíveis infectados são determinantes na aceleração do processo de contágio”, acrescentam os pesquisadores na simulação.
A simulação feita pelo grupo de professores e pesquisadores dos departamento de Sociologia e Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a pedido da reportagem do jornal O TEMPO aponta que o uso de máscara entre alunos em sala de aula diminui a quantidade de infectados em até 55%. Ou seja, sem a proteção, a quantidade de contaminados pode ser mais que o dobro.
Na simulação, os pesquisadores adotaram como parâmetro o uso de máscara comum com 68,5% de eficácia média na prevenção de contágios.
Os resultados mostram que o protetor diminui a quantidade de infectados e também retarda o pico da transmissão. Ou seja, num cenário com uso obrigatório de máscara, o tempo para identificação do problema é maior, o que facilita a identificação de surtos, principalmente se for adotada testagem frequente dos alunos.
Em Belo Horizonte, as aulas presenciais foram suspensas em março de 2020. Protocolos para volta às aulas já foram criados, mas não há prazo definido para o retorno. O uso de máscaras está previsto, inclusive a Prefeitura de Belo Horizonte adquiriu protetores para alunos e professores que não o tiverem. Além disso, está prevista a medição de temperatura e higienização de mãos, além da restrição do uso de espaços coletivos, como lanchonetes e cantinas, bibliotecas e laboratórios de informática. Mas a testagem em massa, como sugerida pelos professores, não está prevista.
Outro ponto definido anteriormente em BH é que o retorno das atividades escolares na rede municipal começaria pelo grupo de 0 a 6 anos. Ou seja, o grupo com menor taxa de contato e portanto com menor transmissibilidade. A secretária de Educação Ângela Dalben chegou a dizer em janeiro que a volta às aulas poderia se dar em março, mas a taxa de transmissão adiou o planejamento e, em vez disso, a cidade voltou a fechar as atividades não essenciais naquele mês.
Está programada para esta segunda-feira uma entrevista coletiva com o prefeito de BH Alexandre Kalil na qual, entre outros, será abordado o tema volta às aulas. Em entrevista para a série de reportagens de O TEMPO, "O Abismo da Educação", a secretária de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte, Ângela Dalben (leia a entrevista completa), disse que o sistema está preparado para voltar “desde junho do ano passado”, mas a data correta de retorno “é a pergunta de ouro, (para) quem souber a gente dá um troféu”.
Em nota, a prefeitura diz que “a volta às aulas de forma presencial pode influenciar na transmissão do vírus, mas faz o monitoramento dos índices para identificar qual seria o impacto”, e reitera que a volta dos alunos com mais de seis anos “dependerão de estudos e da questão epidemiológica”.
Na entrevista, Dalben diz que a volta às aulas impacta no isolamento social, uma vez que “as escolas têm muitos trabalhadores, e isso cria um movimento muito grande, aumenta muito o deslocamento social”, mas que a PBH estuda como priorizar esse retorno: “é um desenho possível”.
Na rede estadual, o governo Romeu Zema já disse reiteradas vezes ser defensor da inclusão de professores no grupo prioritário da vacinação. Em entrevista à série “O Abismo da Educação”, a secretária estadual de Educação, Julia Sant’Anna (leia a entrevista completa), defendeu que “é urgente a retomada das aulas”, mas não há data para tal. Uma liminar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais movida pela Sind-UTE (Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais) veta o retorno presencial, mas a expectativa é que isso se dê assim que as regiões alcancem a Onda Amarela do programa Minas Consciente.
Mas, sobre a vacinação proposta por Zema, o professor Adrian Hinojosa Luna pontua que “crianças não serão vacinadas”. Ele ressalta que os testes com vacinas nos grupos até 18 anos ainda são incipientes e o imunizante não pode ser aplicado. Com isso, apesar da diminuição do risco para os educadores, o círculo de transmissão se mantém para alunos e seus familiares, além de outros contatos que terão no caminho para a escola, por exemplo.
O grupo coordenado pelo professor Silvio Salej Higgins faz uma pesquisa no aglomerado da Serra, maior conjunto de favelas de Belo Horizonte, para identificar em que condições e situações se dá o contato entre as pessoas. Os pesquisadores vão replicar estudo feito na Europa em 2004 para saber se, nas últimas 24 horas, os moradores da região se reuniram com duas ou mais pessoas, se conversou ou teve contatos mais próximos. “Contatos sociais e físicos são a variável-chave para termos melhores prospecções”, explica o professor.
Os resultados da pesquisa permitirão ao grupo adaptá-los para outras regiões da cidade de acordo com suas características e peculiaridades.
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