Os casos e as mortes por Covid-19 continuam batendo recordes. As escolas fechadas, a dificuldade de acesso e a falta de diretrizes nacionais da educação ainda são problemas. Passados 13 meses do começo da pandemia, professores, pais e alunos continuam com a sensação de que nada mudou. “A escola é um equipamento importante. E aquilo que ela oferecia, a gente não vê o poder público oferecendo nem para estudantes, nem para trabalhadores. Aí vão dizer: ‘mas ninguém estava acostumado a lidar com isso’. Só que já se passou um ano. Eu acho que já deu para pensar muita coisa. Essa situação ainda vai permanecer por muito tempo e é preciso pensar políticas públicas”, afirma a professora de português Patrícia Pereira, há 18 anos na rede pública.
Logo nos primeiros dias da pandemia, as escolas particulares correram para adaptar o ensino remoto. Foi mais rápido do que a rede pública, mas, nem por isso, foi mais fácil. A presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro Minas), Valéria Morato, reclama de uma falta de diretriz mais clara do governo federal para nortear melhor o trabalho dos Estados. “A educação do Brasil está numa nau a deriva. Os professores estão, desde março de 2020, vivendo sob forte tensão, com sentimento de insegurança, de incerteza. Tiveram que se virar, da noite para o dia, alterar a metodologia pedagógica, investir em equipamentos, por conta própria e se capacitar. Tudo isso com as aulas acontecendo”, afirma.
"Eu tenho saudade de ver meus alunos, do convívio diário e de olhar no olho. E a maior dificuldade do ensino remoto é fazê-los manter o foco." (Marcelo de Moura Costa, professor da rede pública)
Para a diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-Rede/BH), Vanessa Portugal, é necessária uma regulamentação clara para o trabalho remoto dos professores na pandemia e não apenas diretrizes sem dizer como cumprir. “Não há uma definição de quantitativo do trabalho e estruturação. A prefeitura, por exemplo, cortou as dobras, ou seja, os professores que atuavam de manhã e a tarde estão em um turno só. Na prática isso é redução de professores, mas se pensarmos que estamos com mais trabalho, uma vez que estamos tendo que ajudar a encontrar os alunos e atendê-los em diferentes horários, a lógica teria sido aumentar o número de profissionais”, afirma.
Questionado sobre quais foram as normativas e orientações dadas tanto para as escolas quanto para o apoio aos professores, o Ministério da Educação (MEC) respondeu, por meio de nota, que, no começo de 2020, “ instituiu o Comitê Operativo Emergencial (COE), composto por todas as secretarias e vinculadas do MEC, além das representações das universidades, institutos federais e das secretarias estaduais e municipais de educação, para discutir e coordenar as medidas de combate aos efeitos da pandemia na educação”. O órgão citou ainda a autonomia dos entes federados e as diferentes condições sanitárias em cada Estado para determinação de um possível retorno das aulas presenciais. E, apesar de haver uma pergunta específica sobre a situação dos professores, nenhuma linha foi escrita pelo ministério a esse respeito.
O que o governo chama de autonomia, muitos educadores chamam de falta de diretriz, o que acaba pesando no bolso. Sem ajuda de custo para o teletrabalho, o professor de matemática Marcelo de Moura Costa, 52, teve que gastar para fazer a aula remota funcionar. “Comprei mesa digitalizadora, troquei o HD e aumentei a memória do computador”, conta o professor da rede municipal de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Pesquisa do portal Nova Escola, que ouviu 8.121 professores dos ensinos Infantil, Fundamental e Médio, das redes públicas e privadas, entre os dias 16 e 28 de maio do ano passado, aponta que mais da metade (51,1%) dos docentes relatam que não receberam formação das redes de ensino para as quais prestam serviço para uso das novas tecnologias. “A escola particular ainda me enviou um computador para trabalhar, mas internet, conta de luz, e todo o resto é por minha conta. Já na escola pública, não tive nada”, diz um professor que atua nas duas redes de ensino em Belo Horizonte.
Outra pesquisa feita pelo Instituto Crescer, mostrou que só 42% dos docentes aprenderam a trabalhar com as novas plataformas por meio de programas de formação institucionais. O restante aprendeu sozinho, com alunos, outros professores, com familiares ou em cursos. “A primeira coisa que eu fiz foi um curso online de aulas remotas. Depois comprei microfone, câmeras, luminárias para deixar o ambiente mais agradável”, conta a professora Luciene Antunes, 38.
Adesão
A adesão dos estudantes às aulas é outro desafio. Nas escolas privadas, 59% dos professores afirmam que a maioria dos alunos têm participado das aulas. Mas, na rede pública, o indicador cai para 32%, segundo o portal Nova Escola.
“Nós juntamos turmas e, de 70 alunos, só aparecem uns 25. E ninguém liga a câmera. Mas os alunos são mais vítimas do que sujeitos, muitos não têm acesso a computadores ou internet, outros trabalham. E nós, professores, nos sentimos impotentes. Estamos recebendo alunos do ensino fundamental que nem tiveram aulas no ano passado e já começamos a perceber a defasagem. A maior questão disso tudo é a perda do conhecimento”, lamenta o professor de filosofia Marcelo Gomes, 39, da rede municipal de Contagem.
Reflexo na qualidade
A falta de diretrizes nacionais claras afetam inclusive a qualidade das aulas. “O processo está mais ou menos assim: a gente finge que ensina e os alunos fingem que aprendem. E não é porque não há esforço dos dois lados porque tem muito. É porque nós simplesmente transportamos um modelo antigo de ensino para o computador, sem nenhuma adaptação. Estão aprendendo mesmo só os alunos que têm um nível muito alto de concentração”, conta um professor que atua nas redes pública e privada em Belo Horizonte e não quis se identificar com receio de perder o emprego.
Um medo que, no atual contexto, faz muito sentido. “Conheço uma professora que foi demitida de uma escola privada porque os pais reclamaram que ela estava cobrando demais dos meninos. Nesse período de pandemia, há uma pressão enorme dos pais, principalmente os de classe média, que querem resultados, já que estão pagando por isso. E as escolas, que vêm perdendo muitos alunos, estão reagindo e pressionando professores e alunos. Tem estudante que fica o dia inteiro na frente de um computador. É massacrante”, conta. O Sinpro Minas disse não ter dados sobre demissões de professores nesse período.
Inovação é desafio constante
Se para os professores e alunos a adaptação ao novo formato de ensino não foi fácil, para os gestores de escolas foi menos ainda. Foram necessários investimentos, treinamentos e muitas adequações. Enquanto nas escolas públicas, o desafio é fazer o ensino chegar a quem tem pouco recurso, na rede privada, segurar a atenção dos alunos e manter a qualidade esperada pelos pais é o que pesa no momento.
“No Colégio Batista, nós já vínhamos investindo na área de tecnologia e preparando os professores para o cenário do mundo digital e tecnológico, mas não prevíamos uma pandemia que nos forçou finalizar o projeto em tempo recorde. Em 14 dias nós transformamos todo nosso ensino presencial em remoto. A tecnologia deixou de ser um complemento e passou a ser o principal canal para dar aula. Agora em 2021, nosso desafio já é outro. Não é mais adaptar ao formato e sim inovar cada vez mais para consolidação do aprendizado do aluno”, explica a diretora da Unidade Floresta, séries iniciais e diretora pedagógica da rede do Colégio Batista, Sandra Beconha.
Ela explica que passado todo o investimento feito na aquisição de novas tecnologias, formatação do modelo remoto e treinamento da equipe envolvida no processo de ensinar, outras questões começam a ser levantadas: “Será que o aprendizado é o mesmo? Não é. Mas temos que entender que estamos em um período atípico e não podemos simplesmente transpor as metas anteriores para o ensino remoto. Elas também têm que ser revisadas uma vez que o estudante perde a interação e a vivência concreta. Ele ganha em termos de velocidade da informação e maior conhecimento de tecnologia. Mas velocidade de informação não significa aprendizado, por isso estamos sempre em busca da didática correta”, diz.
A diretora de Ensino da Rede Verbita de Educação, Cléa Mara Prado, concorda que é preciso levar em conta a nova realidade do estudante. “A preocupação da educação básica não pode ser só em melhorias no uso de ferramentas para veicular o ensino, mas também para manter o vínculo e a saúde mental dos alunos, dos professores, da equipe técnica e até mesmo da família”, afirma. E nesse emaranhado de mudanças, a escola também precisa de ajuda. “Nós nunca enfrentamos uma realidade de ter que acessar as famílias diariamente para que os meninos acessem a sala de aula como estamos enfrentando agora”, diz.
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Professora Kezia Ferreira e as filhas - Foto: Flávio Tavares/ O TEMPO
Acorda, cuida das filhas, trabalha, faz almoço, trabalha, toma café da tarde, trabalha, toma banho, trabalha, janta, trabalha mais um pouco e dorme. Tão maçante quanto essa descrição é a rotina da professora de duas escolas privadas Kézia Priscila Soares Ferreira, 38, durante a pandemia. Uma realidade comum a muitos outros profissionais da educação. Só 8% dos docentes da educação básica brasileira afirmam que se sentem ótimos nessa fase.
Os outros têm queixas sobre o estresse causado pela necessidade de aprender rápido, adequar o planejamento das aulas, de dedicar mais tempo ao trabalho, entre inúmeras outras, conforme pesquisa feita pelo portal Nova Escola.
Ao avaliar a experiência do ensino remoto, menos de um terço (32%) dos entrevistados disseram que a nova modalidade de ensino ia bem. A pesquisa traçou possíveis respostas como dificuldade de adaptação ao formato, baixo retorno dos alunos, alta cobrança de resultados, crescimento da demanda de atendimento individual às famílias, além da falta de capacitação, infraestrutura e contato com os alunos.
"Eles simplesmente ignoram ou desligam a câmera quando não querem responder. Recebemos mensagens o tempo todo. Tem aluno que já me ligou às 23h." (Kézia Priscila Soares Ferreira, professora da rede privada)
“Ficamos o tempo todo sentados na frente do computador, chamamos os alunos e não somos respondidos, eles simplesmente ignoram ou desligam a câmera quando não querem responder, e quando a aula acaba recebemos mensagem o tempo todo para tirar dúvidas. Tem aluno que já me ligou às 23h”, conta. Tanta pressão já fez com que ela ficasse abalada emocionalmente, com sentimento de tristeza profunda, e causou problemas na coluna e nos joelhos dela. “O médico receitou fisioterapia. Agradeci e guardei o pedido, porque eu vou fazer isso que horas?”, lamenta.
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Professora Patrícia Pereira - Foto: Flávio Tavares/ O TEMPO
“Compete ao servidor em teletrabalho responsabilizar-se pelas estruturas físicas e tecnológicas necessárias ao cumprimento de suas atribuições, bem como por toda e qualquer despesa decorrente dessa modalidade de trabalho”. A determinação constava em um termo que os professores da rede municipal de Contagem foram obrigados a assinar em meados do ano passado. Os professores também eram obrigados a atestar que não pediriam nenhum reembolso caso seus equipamentos usados em serviço estragassem. “Era um termo absurdo. Mesmo sem dar nenhuma ajuda de custo, a prefeitura exigia que os professores tivessem internet de qualidade e cadeiras ergonômicas, se eximindo de qualquer responsabilidade por possível adoecimento devido a equipamento inadequado”, conta a coordenadora geral do Sindiute/Contagem, que conseguiu derrubar a exigência.
A secretária municipal de educação de Contagem, Telma Fernanda Ribeiro, explica que o termo foi assinado na gestão passada e, agora, a prefeitura já está oferecendo programas de capacitação e também está estudando a ampliação de sistemas de acesso gratuito à internet para alunos e professores. “Em janeiro e fevereiro deste ano, nós fizemos um levantamento junto às escolas, ouvimos os professores e identificamos que as maiores dificuldades estão no acesso. Já estamos estudando a possibilidade de melhorar a internet no entorno das escolas e também em toda a cidade. Estamos caminhando para isso”, anuncia Telma. “É como se tivéssemos que construir a escola (na nossa casa), equipar, organizar e matricular os alunos, para então sermos professores.” (Patrícia Pereira, professora da rede pública/Coordenadora Sindiute Contagem)
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