Considerado um dos países onde houve mais mortes de grávidas e puérperas por Covid-19 no mundo, o Brasil também enfrenta o risco do aumento de partos prematuros durante a pandemia, segundo especialistas médicos. Obstetras na linha de frente do combate à pandemia alertam para os perigos de uma infecção durante a gravidez e relatam o cenário de crise que enfrentam nas maternidades mineiras.
Os dados do Ministério da Saúde, em atualização, ainda não mostram variação significativa da porcentagem de bebês que nasceram antes do esperado em 2020, em relação aos anos anteriores, e, em Minas, a taxa permanece em cerca de 11% há anos. A diretora da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Inessa Bonomi, que atua no hospital Júlia Kubitschek (HJK), porém, pontua que os casos de prematuros entre as infectadas pelo coronavírus têm sido mais comuns.
“Uma vez que a grávida esteja com Covid-19, ela tem de 17% a 20% de chance de ter um parto prematuro a mais do que as gestantes sem a doença, é o que estamos vendo na prática, e uma chance 30% maior de hospitalização. A chance de ela precisar de UTI e ventilação mecânica também crescem”, detalha a médica. O HJK é a referência para casos graves de gestantes com Covid-19 em Belo Horizonte.
No hospital Sofia Feldman, umas das três maiores maternidades do país, os oito leitos reservados para grávidas com confirmação ou suspeita de Covid-19 nunca haviam ficado lotados em 2020, segundo o diretor técnico do hospital, o obstetra João Batista Lima. Neste ano, de acordo com ele, a equipe chegou a ampliar a oferta em dois leitos para acomodar mais pacientes, e as transferências de gestantes com Covid-19 em estado grave para o HJK aumentaram em ritmo inédito em março.
“Em 2020, em todo o ano foram transferidas 20 pacientes. Neste ano, até o momento foram dez. O desafio é que, mesmo que não atendamos as pacientes graves, elas acabam chegando e se mantendo aqui. Tivemos uma paciente que ficou por mais de 24 horas sob cuidado intensivo no hospital, que não tem médicos intensivistas, apenas um consultor. Tivemos que preparar a equipe para tratar pacientes graves”, detalha.
Causas
Um relatório do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) mostra que mulheres com Covid-19 tiveram 25% mais chance de ter um parto prematuro do que gestantes sem a doença. Uma revisão de estudos publicada no “Canadian Journal of Medicine” neste mês também sustenta que o diagnóstico da doença está relacionado ao aumento de partos precoces, levando-se em conta mais de 400 mil mulheres grávidas.
Uma das hipóteses para explicar o fenômeno, diz o diretor técnico do Sofia Feldman, é que a Covid-19 cause alterações na placenta. Por outro lado, em muitos casos, o parto é antecipado pelos próprios médicos para salvar a saúde da mãe que precisa de cuidados intensivos, lembra o obstetra.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera como grupo de risco para Covid-19 apenas gestantes que tenham alguma comorbidade, mas destaca que há sinais de que mulheres grávidas em geral necessitam que desenvolvem sintomas graves tendem a precisar mais de cuidados intensivos do que as mulheres que não estão esperando bebê.
Registros de morte de grávidas escala em 2021
Nos três primeiros meses de 2021, Minas registrou quase o mesmo número de mortes de grávidas por Covid de todo o ano passado. Desde janeiro último, a Secretaria de Estado de Saúde recebeu 25 confirmações de óbitos, enquanto, no ano de 2020, foram 26. O governo não informa, porém, se todas mortes registradas em 2021 ocorreram mesmo neste ano ou se apenas foram registradas agora
Em julho de 2020, um estudo publicado no período norte-americano “International Journal of Gynecology” mostrava que 77% dos óbitos de gestantes ou puérperas no mundo haviam ocorrido no Brasil, e afetaram as mulheres negras quase duas vezes mais em relação ao total. Antes da pandemia, o país já tinha uma taxa de mortalidade materna considerada elevada por órgãos de saúde mundiais: a cada 100 mil mães, 60 morrem no parto no Brasil, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
O diretor técnico do hospital Sofia Feldman, João Batista Lima, observa que o aumento de casos de Covid-19 entre grávidas segue a tendência do restante da população. “Como a Covid-19 está acometendo a população mais jovem e é nessa população que costumam estar da grávidas, a doença as atinge mais agora”, destaca. Mesmo neste momento de alta de casos, porém, as grávidas devem continuar fazendo o acompanhamento pré-natal, lembra a médica Inessa Bonomi, do hospital Júlia Kubitschek (HJK).
Grávida e bebê morrem 11 dias após internação
No final de março, mais uma gestante morreu no Estado, em Viçosa, na Zona da Mata. Kely Rodrigues, 30, estava grávida há sete meses e não tinha comorbidades conhecidas. Ela e o companheiro, o empresário Raniel Arruda, 37, tiveram sintomas, em princípio leves. O primeiro médico que consultaram recomendou que voltassem para casa e não os diagnosticou com Covid-19, conta Raniel. Na segunda consulta, com outro profissional, Kely fez um teste rápido que acusou resultado negativo e a confirmação para a doença só chegou dias depois, quando seu quadro havia se agravado e ela estava internada no Hospital São Sebastião, em Viçosa.
O hospital, segundo nota nas redes sociais da instituição, tentou encontrar uma vaga de UTI para Kely em outros locais do município, sem sucesso. Kely recebeu suporte em um leito com cuidados intensivos, mas morreu menos de duas horas depois de ser transferida para um leito de UTI oficial na instituição, após 11 dias desde sua admissão. O bebê também morreu.
“Nós combinávamos muito, éramos muito carinhosos um com o outro, era beijo para dormir e para acordar. A nossa filha já tinha todo o carinho também, eu conversava com ela, ela mexia. Foi uma coisa indescritível. A nossa vida estava encaminhada, uma obra de Deus mesmo, uma coisa muito boa que estava acontecendo. Achei que fôssemos ficar juntos para sempre”, conta Raniel.
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