Hospitais lotados, médicos tendo que escolher qual paciente fica com a vaga, empresas fornecedoras de oxigênio sem ter como ampliar a oferta, equipes de saúde trabalhando no limite físico e mental, dificuldade de novas contratações e números de internações, casos e mortes que crescem mais rápido do que a capacidade de resposta do sistema de saúde, estão entre pontos em comum do momento atual da pandemia nas cidades de Minas Gerais.
O cenário, descrito por prefeitos e profissionais de saúde, foi destacado também pelo governador Romeu Zema (Novo) durante o anúncio da decisão de colocar todos os 853 municípios do estado sob medidas de lockdown, como toque de recolher das 20h às 5h, na onda roxa do plano que orienta as atividades durante a pandemia, na última terça-feira (16).
No boletim desta quarta-feira, quando a medida entrou em vigor, o estado voltou a bater recorde de casos e mortes relacionados à Covid-19, registrando 314 mortes nas últimas 24 horas –no dia anterior, foram 28. A Secretaria de Saúde do Estado não respondeu à reportagem sobre o que poderia explicar a diferença nos números ou se há represamento de dados.
Zema, que no final de abril de 2020 defendeu em uma videoconferência que o vírus precisava viajar um pouco, criticando prefeitos que haviam adotado medidas restritivas, mudou o tom na fala da última terça-feira e afirmou que quem sai às ruas agora, sem necessidade, poderia ser tachado de assassino, já que cada novo caso, pode se tornar uma morte.
"Num momento como esse, qualquer pessoa contaminada a mais, pode ser um óbito a mais, porque o estado não tem mais capacidade de atendimento", explicou.
Médica intensivista, trabalhando com casos relacionados à Covid-19 desde o ano passado, Camila Isoni atende UTIs em hospitais de Belo Horizonte e Betim e diz que o momento atual é o pior de toda a pandemia, com a região da capital sob pressão das demandas do interior por leitos.
"Tem momentos que tem que escolher quem está pior. A gente está chegando nesse nível tanto no sistema público, quanto privado", conta ela, que não vê a mãe, que mora em BH, há um ano, para evitar colocá-la em risco.
"É uma coisa inimaginável, um cenário realmente de guerra. O plantão é mais pesado, são doentes mais complexos, as equipes estão cansadas por conviver todos os dias com a perda de pessoas".
A capital mineira atingiu nesta quarta taxa de ocupação de 96,6% de UTIs para atendimento de casos do novo coronavírus. Na rede privada, a taxa chegou a 102,8%. A média de novos casos a cada 100 mil habitantes, em BH, é hoje de 430,6 pessoas.
Médicos de diferentes regiões relatam falta de vagas, emergências cheias, filas de espera e pacientes jovens, segundo o presidente da AMMG (Associação Médica de Minas Gerais), Fábio Augusto de Castro Guerra.
"Vai chegar em um platô de profissionais, temos que trabalhar no sentido de diminuir o número de casos para tentar diminuir o número de internações, porque senão vamos chegar à exaustão de tudo: recursos humanos, leitos, oxigênio", diz ele.
Julvan Lacerda, presidente da AMM (Associação de Municípios Mineiros) e prefeito de Moema, diz que os relatos das prefeituras que chegam à entidade são de susto com colapso na saúde em algumas regiões e medo do mesmo cenário em outras.
"Como nosso sistema de saúde funciona em rede, quando uma região chega no limite, ela transferia para outros, mas chegou em um ponto que não tem como remover [esses pacientes] mais", diz ele. "É alarmante, o sinal vermelho está aceso".
A AMAMS (Associação Mineira da Área Mineira da Sudene) pediu socorro financeiro a Zema, nesta quarta-feira, para os municípios da região norte de Minas, para garantir o fornecimento de oxigênio aos pacientes da Covid-19.
"A empresa que atende a região fala que não tem como abastecer se abrir mais leitos. Há hospitais privados que abriram leitos e não tem oxigênio. Os prefeitos estão preocupados. Januária teve que desativar quatro leitos por isso e os hospitais estão cheios", relata José Nilson Bispo de Sá, o "Nilsinho", prefeito de Padre Carvalho, e presidente da associação.
Em Manga, outro município da região, banhado pelo rio São Francisco, a prefeitura diz estar em alerta máximo pelo risco de desabastecimento de oxigênio, depois que um fornecedor parou de atender aos recarregamentos semanais.
Em Montes Claros, referência para mais de 80 municípios, a possibilidade de escassez de oxigênio é uma das principais preocupações no momento. O município tem adotado medidas restritivas, voltou a abrir o hospital de campanha que havia sido desativado no ano passado e comprou vagas na rede privada para garantir que não faltaria leitos, mas fornecedores também não conseguem garantir oxigênio para novas vagas, apenas para as já existentes.
Segundo a secretária municipal de saúde, Dulce Pimenta, a falta de medicamentos, como aqueles necessários para fazer intubação, um cenário que já havia ocorrido em 2020, preocupa.
"A maior preocupação é a desassistência para quem precisa de tratamento completo, que demanda de uma complexidade maior, e com isso termos óbitos por falta de leitos", diz ela.
No anúncio feito na terça, o secretário estadual de saúde, Fábio Baccheretti, afirmou que o governo pediu apoio ao Ministério da Saúde para garantir que não haja falta de oxigênio e disse que empresas fornecedoras do insumo estão reestruturando a logística para atender a demanda crescente.
"A maioria dos hospitais grandes com leitos de CTI utilizam grandes reservatórios de oxigênio. Mas para os leitos que estão sendo criados não dá tempo dessa estrutura, e são leitos com cilindro de oxigênio. Temos pedido apoio ao Ministério da Saúde já prevendo aumento de consumo, para que não haja nenhum tipo de falta de suprimento", afirmou ele a jornalistas.
O governo do estado não respondeu a outros questionamentos da reportagem até esta publicação.
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