Os mais de 2 bilhões de usuários do WhatsApp começaram a receber a notificação de mudança na política de privacidade do app. Anunciada no início do ano, a novidade causou rebuliço por tornar obrigatório o compartilhamento de algumas informações do aplicativo com o Facebook, que comprou o WhatsApp por 19 bilhões de dólares em 2014.
A mudança gerou um desagrado. Especialistas em privacidade, autoridades regulatórias e até bilionários reclamaram da nova política do WhatsApp, que levou a uma nova onda de usuários procurando serviços concorrentes, como Telegram e Signal — este último indicado até por Elon Musk como uma alternativa.
Afinal, o que muda no WhatsApp? Embora tenha havido alarde sobre a nova política de privacidade, para especialistas não está totalmente claro o que será extraído e compartilhado com as empresas do grupo Facebook, que inclui, além das redes sociais, empresas de análise e monitoramento de comportamento, voltado para marketing digital.
As informações que o WhatsApp irá compartilhar com outras empresas do Facebook não incluem o conteúdo das conversas, que têm criptografia ponta a ponta, mas apenas os dados sobre o uso do aplicativo. O conteúdo das mensagens continua protegido, sejam conversas em texto, áudios, fotos, vídeos.
O que será compartilhado são os chamados metadados — os dados sobre os dados. De acordo com Mariana Rielli, líder de projetos da Associação de Pesquisa Data Privacy Brasil, isso inclui informações como:
Quando o WhatsApp é utilizado na versão web, o app coleta ainda os cookies (arquivos que contém dados das páginas que o usuário acessa na internet), qual navegador está sendo utilizado no computador e o endereço IP.
Com o WhatsApp investindo cada vez mais na versão Business, há um interesse maior do Facebook em intermediar pagamentos e compras — e usar as informações que coleta dos usuários para melhorar esse negócio.
Segundo Rielli, boa parte dessas informações já estava sendo coletada desde 2016, quando o WhatsApp fez uma mudança na política de privacidade que também gerou burburinho. “Na época, houve a possibilidade de escolher não compartilhar algumas dessas informações. Essa possibilidade durou 30 dias, e os usuários que perderam essa janela de oportunidade não tinham mais controle sobre o compartilhamento”, diz.
Apesar de a coleta de informações não ser nova, ainda há problemas envolvidos, segundo ela. “Não é por isso que os novos termos de uso não são problemáticos. A grande maioria das pessoas não tinha se tocado que durante todo esse tempo estavam compartilhando esses dados e elas não poderiam tomar atitude de não compartilhar. A nova política evidenciou isso.”
A política também abre a possibilidade de a empresa armazenar dados de conversas em servidores do Facebook, o que reforça o interesse do Facebook em promover o negócio de vendas pelo WhatsApp. No último ano, o aplicativo apresentou uma série de novidades para contas profissionais e ensaiou uma entrada nos meios de pagamento no Brasil — a ferramenta foi barrada pelo Banco Central para a análise.
A empresa diz que precisa das informações para melhorar a operação e oferecer novos produtos e serviços. A rede social faturou 21,5 bilhões de dólares no terceiro trimestre — e praticamente tudo vem da venda de publicidade direcionada nas plataformas da empresa, algo que só é possível com a coleta de informações dos usuários.
Com a coleta dos metadados do WhatsApp, o Facebook terá uma fonte adicional de informações sobre hábitos de consumo, além de aprimorar o novo filão de meios de pagamentos.
Não, a política de privacidade do WhatsApp varia de país para país. Nos Estados Unidos, onde não existe uma lei de proteção de dados, há menos restrições nas coletas realizadas pelo Facebook.
Na Europa, segundo o advogado Paulo Lilla, do Lefosse Advogados, a GDPR, legislação que regulamenta a proteção de informações de consumidores, veda condicionar o consentimento do usuário à prestação de um serviço que não precise da coleta de um dado específico.
“A nossa legislação, a LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados], é inspirada na GDPR, mas não é igual”, afirma. “Ela estabelece que o controlador deve informar com destaque sobre a coleta, o que o WhatsApp está fazendo na política de privacidade”, diz ele, que é responsável pela área de tecnologia, proteção de dados e propriedade intelectual no escritório de advocacia.
De acordo com o advogado, existe um debate sobre uma espécie de consentimento forçado, já que os usuários são obrigados a aceitar os termos, ou não poderão usar o aplicativo.
A discussão é delicada, já que a LGPD traz ainda uma série de outras permissões para uso de informações dos usuários, como execução de um contrato ou legítimo interesse.
Para Rielli, do Data Privacy Brasil, o caso em torno das políticas do WhatsApp pode ser um bom momento para a atuação da Agência Nacional de Proteção de Dados, que foi estabelecida há pouco tempo.
“[A ANPD] está começando a criar suas próprias diretrizes para eventualmente atuar”, afirmou. Para ela, a polêmica em torno do WhatsApp poderia ser uma espécie de “teste de fogo” para que a autoridade peça explicações ao WhatsApp e o Facebook, a fim de gerar maior entendimento para o público e para consumidores. Ela reitera que a autoridade não pode aplicar sanções administrativas, no entanto, pois a vigência dessa prerrogativa foi adiada para agosto quando a lei entrou em vigor.
Existem prós e contras na mudança. A vantagem de outros aplicativos de mensagens, como o Signal, que recebeu apoio recente do bilionário Elon Musk, é que há políticas mais claras de privacidade.
O Signal é mantido por uma organização sem fins lucrativos e a criptografia do app é de código aberto. Isto significa que a segurança dele pode ser atestada por estudiosos e especialistas para assegurar que o aplicativo não está coletando dados. Outro concorrente, o Telegram, é conhecido por oferecer recursos mais avançados que o WhatsApp. O app é uma startup de Dubai, mantida por um bilionário expatriado da Rússia, Pavel Durov.
O problema é a comodidade. Como o WhatsApp é usado por grupos de amigos, familiares, e colegas de trabalho, as pessoas têm menos incentivo para migrar para um novo app que seja pouco usado por pessoas da sua rede de contatos.
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