Com dívidas que podem ultrapassar R$ 1 bilhão, o Cruzeiro tenta sobreviver em meio ao caos financeiro em que vive e aos dilemas com o Fisco, problema que ocasionou a exclusão da Raposa do Programa de Modernização da Gestão e da Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut).
Por tantos problemas tributários, jurídicos e econômicos o megaempresário cruzeirense Vittorio Medioli, que entre o fim do ano passado e o começo de 2020 foi diretor-executivo do Cruzeiro, sugeriu que a única salvação seria a transformação em clube-empresa.
Mas como seria esse processo para o Cruzeiro deixar o atual modelo de sua gestão, o associativo sem fins lucrativos, para se tornar um clube empresa?
A reportagem ouviu um especialista no tema e traz um mini manual dos processos para a concepção do clube empresa.
De acordo com o mestre em direito empresarial, o advogado Luciano Motta, o processo para implementação do modelo de clube-empresa passa por quatro etapas: análise de estudos para implementação do modelo de gestão, busca de investidores, elaboração do processo e execução do processo de migração para o novo modelo empresarial.
São etapas complexas e que demandam estratégias diferentes para cada clube, tendo em vista que no modelo associativo, que é o caso do Cruzeiro, por exemplo, a proposta precisaria ser aprovada no Conselho Deliberativo seguindo regras estatutárias.
A partir das autorizações por parte dos conselheiros é que seria possível buscar a forma ideal para a migração de modelos gerencias no clube. Existem algumas opções, como a manutenção do modelo associativo com um investidor nos negócios, a adoção de um modelo exclusivo de investidores ou a terceirização do departamento de futebol.
Existem diversos modelos de negócio para um clube-empresa. Tomando por base o discurso do ex-diretor executivo do Cruzeiro, Vittorio Medioli, o desejado por ele seria o de S/A, empresa de capital aberto com ações na bolsa de valores.
“Esse modelo é o de uma sociedade anônima de capital aberto, que é o tipo empresarial mais complexo e sofisticado do sistema brasileiro. São inúmeras particularidades, mas a principal delas é que é uma ‘empresa’ que além de ter de seguir uma lei específica, a Lei de Sociedades por Ações, deve, seguir uma série de regras e requisitos impostos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que também funciona como órgão fiscalizador. Particularmente, para iniciar a caminhada, deveria obter uma autorização da CVM. Todavia, diante do caos administrativo-financeiro dos clubes de futebol, a maioria sequer conseguiria cumprir esse requisito inicial. Ou seja, não seria uma tarefa simples, muito antes pelo contrário”, explica o advogado Luciano Motta.
Alguns torcedores do Cruzeiro mostram contrariedade com a proposta de Medioli, tendo em vista que o empresário chegou a dizer em decretar falência e iniciar as operações do zero.
Mas o especialista afirma que é possível se tornar um clube-empresa, mas não ter suas operações “zeradas”, com o time iniciando em divisões inferiores nos âmbitos nacional e estadual.
Entretanto, tudo dependeria do modelo de gestão adotado e da forma como esse modelo seria aplicado.
“A possibilidade de se começar do zero só existe se houver necessidade de se fazer um novo registro junto a entidade de administração, a Federação Mineira de Futebol, por exemplo. Sempre que se fala em dissolução, implica no fim do clube associação e a “refundação” de um novo clube exigiria um novo registro na respectiva entidade de administração, fazendo com que o clube comece a sua jornada do nível mais inferior”, explica.
Outras soluções
O advogado, especialista em direito empresarial, ainda cita outras possibilidades para os clubes que têm o modelo de empresa como alternativa: “há duas opções principais. Se o clube associação quiser continuar a existir, poderia constituir um clube-empresa juntamente com investidores. Nesse exemplo, o departamento de futebol do clube formaria o capital social dessa empresa conjuntamente com o dinheiro dos investidores. A segunda alternativa seria o clube se converter 100% em clube-empresa".
Motta bate na tecla e frisa que o clube só teria que disputar divisões inferiores se fosse "refundado". “Se o clube associação for “refundado” precisa começar do zero. Se ele não for “refundado”, não. Na gestão 100% com os investidores também depende. Se houver a conversão total não precisa, mas se o clube-associação for dissolvido, sim, terá que recomeçar do nível mais inferior do futebol profissional brasileiro”, finaliza.
A última divisão, no caso do Cruzeiro, é a Segunda Divisão do Campeonato Mineiro, que na verdade corresponde à Terceira. Isso porque o Estadual tem Módulos I e II na sua Primeira Divisão.
A Raposa precisaria, no mínimo, de seis anos para voltar a disputar a Série A do Campeonato Brasileiro. Teria de conseguir o acesso na Terceira Divisão do Campeonato Mineiro e no Módulo II para chegar ao Módulo I e brigar por vaga na Série D do ano seguinte.
Neste caso, se começasse o processo em 2021, por exemplo, e conseguisse o acesso em todos os torneios disputados, chegaria à Primeira Divisão do Brasileirão em 2027.
E as dívidas?
Se o clube opta pela migração do modelo associativo para o de clube-empresa o que acontece com as dívidas existentes? Essa foi uma pergunta que a reportagem fez ao advogado e mestre me direito empresarial Luciano Motta.
"Em qualquer opção, tem-se que tomar muito cuidado para que a operação não se configure como fraude a credores. Então a devida e correta análise desse ponto também é fundamental. Se houver dissolução do clube-associação, haverá levantamento de todos os bens para se pagar as dívidas. Com oq sobrar e dependendo do que sobrar poderá se pensar em “refundação” ou constituir um clube-empresa. Se nada sobrar, alguém (investidor/grupo de investidores) possivelmente “comprou” a marca do time com toda sua história. Ele também terá o direito de constituir um clube-empresa", explica.
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