Mesmo para os pequenos, não há dúvida, a escola faz muita falta. Seja para garantir conhecimento, socialização ou até para viabilizar o trabalho dos pais. E isso em qualquer classe. Claro que os desafios são diferentes nas distintas camadas sociais. Para os mais pobres, a escola garante mais do que aprendizado, garante comida. Para aqueles com renda maior, escola tem outros significados. Mas os desafios existem em qualquer lar.
A jornalista Mônica Salomão, que tem uma filha de 5 anos, a Letícia, e mora no Castelo, na região da Pampulha, se preocupa com a maneira como está lecionando para a menina em casa. “Nós não temos formação para poder ensinar. A gente começou a ter essa certa preocupação. É muito difícil. Ensinar é uma responsabilidade muito grande. É a formação dela, ela está sendo alfabetizada. Eu e meu marido ficamos temerosos dela ter algum prejuízo futuro. A gente está tendo que aprender.”
Responsabilidade que antes era compartilhada com a instituição particular de ensino. E o mais importante nesse processo, presencialmente. Desde os cinco meses a Letícia vai para a escola, uma rotina já programada para casar com as necessidades dos pais. Agora, tudo mudou. A mãe, que virou também professora, não consegue atuar bem nos dois cenários.
“É desesperador, é o famoso viver um dia de cada vez porque a criança também vai chegando em um nível de estresse, nós estamos estressados e a criança também. Então é imprevisível. Tem dia que ela acorda super agitada, que ela não quer fazer aula, fala ‘hoje eu não quero’. Pera aí, como que você não quer? É um compromisso. Tem dia que ela está mais tranquila.”
Mudanças e incertezas
Apesar de ser tão nova Letícia também sente as diferenças que a pandemia causou em sua rotina. E, segundo ela, as coisas mudaram para pior.
“Tudo aqui na nossa casa é diferente. Lá na escola a gente aprende tudo, porque lá a tia Márcia fica falando pra gente e a gente faz a resposta logo, aí não precisa abrir o microfone.”
Se antes a Letícia ficava na escola o dia inteiro, mas com muitas atividades, agora a aula é pelo computador, ao vivo, uma hora por dia, além dos deveres de casa. Enquanto isso, a mãe trabalha, também de casa, sem conseguir controlar a rotina da filha e nem a dela mesma. Para conciliar a escola e o trabalho, Mônica, aos 40 anos, acaba virando refém da filha de 5.
“No início a gente tenta controlar, mas chega em um ponto que a gente não consegue. E as crianças são muito inteligentes. Por exemplo, a Letícia sabe quando eu estou em uma reunião importante e ela habilidosamente chega perto de mim e pede o tablet e ela sabe que não vou negar, porque ela simplesmente começa a gritar, aprontar alguma coisa. Como é que eu vou agir?”
Outra questão delicada é o retorno dos pais ao trabalho. Para muitos, isso já aconteceu. Mas as escolas permanecem fechadas. Uma equação que não fecha e que pode gerar impactos irreversíveis para as famílias.
“A gente sabe da competitividade do mercado de trabalho, então como que eu simplesmente viro para o meu gestor e falo ‘ah, eu tenho uma filha de 5 anos, não tem escola, não posso voltar para o presencial’. A gente fica muito preocupado porque eu preciso muito do meu emprego. Eu tenho uma rede de apoio, tenho minha mãe e minha avó, mas assim, ambas no grupo de risco, é difícil para elas assumirem esse compromisso de cuidarem de segunda a sexta de uma criança de 5 anos.”
Seja na rede pública ou na privada, na visão da criança, um ponto em comum chama a atenção: a saudade do ambiente escolar. Em especial, do professor. Assim como a Esther, de 4 anos, que na reportagem dessa segunda fez questão de mandar um beijo para a sua professora, a Letícia também quis mandar o seu recado.
“Tia Márcia, sinto muita falta de você. Eu te amo, beijos”, disse a pequena.
Enquanto as crianças compartilham as perdas do afeto, do contato, e, sobretudo, do ensino, os pais compartilham a angústia.
“A cabeça não para né? A gente fica pensando o tempo todo, aquele pensamento incessante meio a todas as incertezas do mundo. É tudo muito novo, muito incerto e, no fim da contas, é uma angústia imensa.”
Quarta-feira
Angústia que permeia o dia a dia dos pais de crianças do ensino infantil, mas que também se faz presente na rotina de quem tem filhos no fundamental. Como alfabetizar à distância crianças com realidades tão distintas? É o que vamos acompanhar na reportagem desta quarta-feira, na terceira reportagem da série.
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