“Tenho alunos com 10 anos que não sabem ler ou escrever. Como este aluno vai avançar para o sexto ano, se não conseguiu adquirir nem o conteúdo básico, que seriam das séries iniciais, que é a alfabetização?”
O desabafo é da professora Fernanda*, que dá aulas em uma escola estadual da Região Nordeste de Belo Horizonte. A preocupação dela e de outros educadores ganhou um capítulo a mais quando o Governo de Minas instituiu, após dois meses sem aulas, o ensino à distância na última segunda-feira (18), por causa da pandemia do novo coronavírus. “Meus alunos não vão dar conta", afirmou.
O Regime de Estudo Não Presencial foi apontado pelo Governo do estado como a alternativa para manter as atividades dos alunos enquanto durar a pandemia. Ao lançar o programa cinco dias antes do início do funcionamento, a Secretária de Estado de Educação, Júlia Sant’anna, enfatizou que a estratégia é suavizar os efeitos do distanciamento social na vida das famílias e fazer com que a rotina de aprendizado seja garantida neste momento.
Secretária de educação de MG, Júlia Sant'Anna, anunciou programa no último dia 13 — Foto: Reprodução/TV Globo
Mas a realidade, segundo Fernanda, é bem diferente. Muitos alunos vão para escola para se alimentar, pois não têm o que comer em casa. “Numa sala com 23 alunos, se cinco tiverem acesso à internet, a um computador para fazer as atividades é muito”, lamentou a professora.
Assim como outros professores da rede estadual, Fernanda não recebeu pagamento do 13º de 2019, nem o salário do mês de maio, mas precisou se adaptar ao modelo de ensino à distância que ela diz ter sido imposto pelo Governo. Segundo a professora, ela só foi avisada no dia do lançamento, sem ter recebido qualquer treinamento ou preparação para a condução das atividades.
“Meu trabalho agora é preencher tabelas, é maquiar. Hoje, acordei ás sete da manhã, assisti as teleaulas. E meu aluno que não assistiu? Vou tirar dúvida de quem? Vou preparar atividade para quem?”, questionou.
A professora teme que a maior parte dos alunos ainda desconheça o processo de aula à distância. “A única coisa que pediram [direção da escola] é que, quem tiver meio de acesso com alunos, deve ligar pra família. Como é que vou avisar? Não dá para passar de casa em casa, para avisar que as aulas são online. (...) Me preocupo, porque vão tocar de qualquer jeito”, concluiu.
A Secretaria de Estado de Educação disse que o Regime de Estudo Não Presencial foi desenvolvido em diálogo com professores, equipe pedagógica e entidades ligadas à educação. De acordo com a SEE, cabe à direção de cada escola conhecer os materiais e organizar estratégias de trabalho junto à equipe, bem como organizar o processo de entrega dos materiais impressos a alunos que não têm acesso à internet.
Ainda de acordo com a pasta, o "papel dos professores é de conhecer as ferramentas e os conteúdos dos Planos de Estudos Tutorados (PETs), para dar o suporte e orientação aos alunos, conforme organização de cada escola". As orientações estão disponíveis na página da SEE.
Sobre o pagamento de salários, o governador Romeu Zema (Novo) anunciou, nesta quarta-feira, que a primeira parcela será paga no dia 22 de maio e a segunda, no dia 27. E que também vai quitar o 13º de 15% dos servidores públicos que ainda não receberam o valor total. Vale lembrar que os vencimentos dos servidores da Saúde e da Segurança Pública já foram pagos, integralmente, no dia 15 de maio.
O professor de Geografia Cássio *dá aulas para 15 turmas em uma escola estadual em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A alternativa encontrada por ele foi manter um grupo de whatsapp com os alunos, onde dá as orientações para as atividades e tira dúvidas.
“Estes grupos já eram formados pelos próprios alunos. Nós, professores, pedimos que nos incluíssem para que pudéssemos dar as orientações das atividades”, contou.
O aplicativo Conexão Escola, criado pelo Governo para que os professores possam administrar os conteúdos e conversar com os estudantes, ainda não está funcionando de forma eficaz, conta o professor.
“Está sendo tumultuado. Pelo aplicativo, a gente vai ter possibilidade de conversar com os meninos. Mas não sei como vai ser ainda. Nem todas as minhas turmas estão vinculadas ao aplicativo. Só tenho acesso às turmas do diurno. Não tenho no noturno”, falou.
Cássio * reconhece que o ensino à distância pode acabar deixando muitos alunos de fora. “As turmas são muito heterogêneas. Eu acredito que os meninos do ensino médio vão ter mais facilidade para pegar as atividades. Todos eles têm telefone, mas a gente não sabe se tem internet. Só que a escola só vai disponibilizar material impresso pra quem não tem mesmo acesso”, falou.
O receio é que ocorra uma defasagem ainda maior quando os alunos retornarem às salas de aula. “Há muito tempo que escola do estado é creche. Não ensina nada. Tem menino que só vai mesmo para se alimentar”, completou.
Segundo a Secretaria de Estado de Educação, além do aplicativo, alunos ainda podem acompanhar as aulas pelo site da pasta e pela página e canais de comunicação da Rede Minas, além da própria programação da televisão. Das 853 cidades mineiras, 765 possuem o sinal da tv.
A SEE afirmou, ainda, que os professores podem ter acesso a todas as suas turmas através do aplicativo Conexão Escola que vai oferecer, a partir da próxima semana, um chat para interação com os alunos.
Sobre a defasagem no retorno às aulas presenciais, a Secretaria garantiu que está desenvolvendo um planejamento “bastante cuidadoso”.
“No retorno dessas atividades, será realizada uma avaliação diagnóstica para que a equipe pedagógica possa entender a eventual defasagem e as dificuldades que não foram desenvolvidas para que os estudantes possam ter uma retomada do conteúdo ou até mesmo reforço escolar”, disse, por meio de nota.
*A pedido dos professores, que não quiseram se identificar, os nomes utilizados nesta reportagem são fictícios.
Muitos alunos que ficaram de fora da matrícula on-line realizada pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE) em fevereiro e tiveram que confirmar interesse presencialmente nas escolas não têm acesso ao aplicativo Conexão escola oferecido pelo governo.
Isso porque muitos dos pedidos não foram colocados no sistema antes do dia 18 de março, data em que as aulas e atividades escolares foram suspensas no estado. Lembrando que o ano letivo começou no dia 10 de fevereiro.
Uma das escolas estaduais da Região Metropolitana de Belo Horizonte chegou a divulgar um comunicado em que pedia paciência aos alunos que se matricularam manualmente para que seus nomes fossem inseridos no sistema.
Em nota, a SEE informou que algumas matrículas ainda não tinham sido incluídas no Sistema Mineiro de Administração Escolar (Simade), mas que a situação já está sendo resolvida.
“Com o retorno às atividades por meio do teletrabalho na última semana, foi possível os servidores administrativos das escolas trabalharem na inserção dessas matrículas no Simade, processo que está sendo monitorado pela SEE/MG”, disse a secretaria.
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