Cerca de 11 meses antes de sucumbir à pressão da torcida e renunciar ao cargo de presidente do Cruzeiro, Wagner Pires de Sá aproveitou mordomias às custas do combalido caixa do clube. Documentos obtidos pelo Superesportes mostram que o antigo mandatário utilizou o cartão corporativo do clube, em janeiro de 2019, para pagar compras de uma viagem no valor total de R$13.956,00.
A ida de Wagner à Bahia, em 2019, foi a comemoração do ex-presidente para o então bicampeonato recém-conquistado da Copa do Brasil, no fim de 2018, que rendeu ao Cruzeiro a premiação de cerca de R$ 62 milhões. A festa era tamanha que o presidente e seus familiares utilizaram as redes sociais para divulgar imagens da paisagem de Arraial D’Ajuda, distrito de Porto Seguro, no litoral do estado.
Nos vídeos mostrados à época, Wagner aparecia quase sempre da mesma forma: aparentemente embriagado, com óculos escuros e fazendo muita festa. As divulgações frequentes deram a ele, pela torcida, o apelido de ‘presida raiz’ - termo utilizado pelas novas gerações para classificar aqueles que vivem como antigamente, sem ‘gourmetizar’ seus hábitos ou atividades. O ex-presidente, porém, pouco tinha de ‘raiz’.
Fatura do cartão de crédito corporativo obtida pela reportagem mostra que Wagner gastou R$ 7.466 com diárias no Mucugê Village Resort, razão social do Kûara Hotel, hospedagem de alto luxo, cinco estrelas, inaugurado no segundo semestre de 2018. De acordo com o site da empresa, "trata-se de um conceito 'hotel pé na areia', que cobre área de aproximadamente 27 mil m²’.
E teve mais. Além de pagar R$ 3.164 a uma operadora de turismo nesta viagem, Wagner utilizou o cartão corporativo do Cruzeiro em Arraial D’Ajuda para consulta no Hospital Neuroccor, em Porto Seguro (R$ 1.267), e para alugar um veículo na Localiza (R$ 325). O montante envolvendo restaurantes, bares e cafés foi quitado da mesma forma. Com o cartão, Wagner fez cinco compras em lojas de alimentação, que totalizaram R$ 1.700.
Piscina 'infinita' do Kûara Hotel, em Arraial D'Ajuda, distrito de Porto Seguro (Foto: Kûara Hotel/Divulgação) Investigações
Não há, no Estatuto ou no código de conduta do clube - os dois únicos documentos disponíveis no site oficial -, quaisquer artigos que tratem da ‘regulação’ do cartão de crédito corporativo. Em geral, no entanto, ele deveria ser utilizado especialmente por supervisores de futebol e por responsáveis pelo departamento financeiro para pagamentos relativos ao dia a dia do clube.
As faturas dos cartões de crédito de Wagner Pires de Sá e outros dirigentes já estão com a Kroll, empresa de investigação corporativa contratada pelo Cruzeiro para auditar cada passo da antiga administração do clube. Inicialmente, o projeto é para que tudo esteja apurado até o fim deste mês. Vale lembrar que a Polícia Civil e o Ministério Público também investigam ex-dirigentes da Raposa por suspeitas de lavagem de dinheiro, falsificação de documentos e falsidade ideológica.
Internamente, o Cruzeiro acredita que poderá cobrar dos ex-dirigentes os valores que foram gastos por meio dos cartões corporativos. Não há, até aqui, qualquer sinal de reembolso nas investigações. Esse, no entanto, é um processo burocrático e sem prazo para um desfecho.
Esta reportagem é a primeira de uma série que pretende revelar, de forma ainda mais profunda, como os ex-dirigentes do Cruzeiro utilizaram de forma desregrada as receitas do clube, que atravessa a maior crise financeira/institucional de sua história e disputará, em 2020, aos 99 anos, sua primeira Série B do Campeonato Brasileiro.
Outro lado
O Superesportes buscou contato com o ex-presidente em quatro oportunidades nessa quarta-feira. Foram realizadas ligações ao telefone pessoal de Wagner Pires de Sá entre 16h e 19h, quando o seguinte questionamento também foi enviado por meio de Whatsapp:
Em uma viagem à Bahia, em janeiro de 2019, o senhor gastou cerca de R$ 14 mil com o cartão corporativo do Cruzeiro. Estão na fatura pagamentos de hotel, restaurantes e um hospital em Porto Seguro. Por que utilizou o cartão do clube?
Por uma decisão editorial, para evitar qualquer tipo de episódio que atrapalhe a divulgação das informações de interesse público, o Superesportes publica a reportagem sem a resposta do ex-presidente. O portal está à disposição de Wagner para incluir suas considerações sobre o tema específico, se assim ele desejar, a qualquer momento.