Samuel Rosa, 53, se lembra com nitidez da época em que tocava nas noites de Belo Horizonte e recebeu, em um desses bares que serviam de palco para o Skank, uma letra do futuro parceiro Chico Amaral. “Réu & Rei” foi a primeira música que a dupla compôs para o conjunto, cuja separação foi anunciada em novembro, após quase três décadas de estrada. Na época, Samuel falou com Amaral de sua “ambição de formar uma banda com acento de reggae, mas que misturasse também música brasileira e rock”, recorda ele.
A canção mais recente dessa trajetória é “Algo Parecido”, que, ao ser lançada, em novembro de 2018, rapidamente alcançou o topo das paradas de sucesso. Com ela, o vocalista conta que “ousou voltar a escrever letras, algo que tinha deixado de lado” e que pretende retomar agora. “Foi uma experiência incrível, porque essa música se tornou uma das de maior apelo do Skank nos últimos anos. Digo que ela é um pouco autobiográfica, porque se passou comigo uma experiência que acontece com milhares de pessoas quando elas começam um relacionamento”, entrega.
“Algo Parecido” ganhou um videoclipe com mais de 13 milhões de visualizações no YouTube, e seus primeiros versos dizem: “Escorre o tempo que seguro e cabe em minhas mãos/ Eu empresto o meu mundo pra te ter então/ Você vai acreditar talvez/ Ou senão queira partir de vez”. Para os fãs que já sofrem por antecipação com a prometida parada da trupe, outra novidade está a caminho. “Simplesmente” é o nome da anunciada parceria inédita com Roberta Campos.
A canção não deve constar no show que o Skank apresenta neste sábado (21), no Secreto de Natal, evento do qual participa pelo segundo ano consecutivo. O repertório será baseado em um apanhado geral da carreira do quarteto, com enfoque sobre os álbuns “Skank” (1992), “Calango” (1994) e “O Samba Poconé” (1996), integrantes da turnê “Os Três Primeiros” que, segundo Samuel, “segue em vigência”. “Vai ser o nosso último show do ano e, depois do anúncio da parada do Skank, sentimos um contingente emocional diferente, as pessoas estão mais apegadas; na iminência dessa separação, os fãs se mobilizaram muito”, observa.
O vocalista informa que “até na rua e em mensagens recebidas” esse carinho tem sido expresso. “Ninguém tem certeza de nada nessa vida. Intuitivamente, achamos que agora seria um bom momento (para a separação), a banda está bem, com vigor, ainda é muito relevante no cenário da música brasileira atual. Teria sido muito triste parar por falta de escolha, não é? Imagina se ninguém mais desse bola e não restasse outra alternativa. Portanto, paramos enquanto parar ainda é uma escolha, e não um fim de linha. Isso é um privilégio”, orgulha-se.
Os projetos solo que ele pretende tocar daqui por diante já vinham “sendo ensaiados”, diz Samuel, a exemplo dos trabalhos com o Grupo Corpo, Lô Borges e vários outros músicos. “Não foi uma decisão tomada de repente, ela foi gradativa. Quero me experimentar em outros meios e sem as facilidades conquistadas, por mérito, pelo Skank. Correrei riscos e terei desafios”, aposta.
Trajetória
Ao encerrar esse ciclo e olhar em retrospecto, Samuel destaca ter aprendido, principalmente, “sobre a vida e o ser humano”. “Lidar com o público, a opinião pública, o julgamento, o crivo e a aprovação ou não de multidões é algo que nos ensina e nos marca profundamente”, garante. O fato de ter permanecido em BH, que ele considera, com graça, “a sede do Skank”, num tempo em que o habitual era rumar para Rio ou São Paulo, consiste, para Samuel, um dos maiores legados da banda.
“Saímos de um gueto improvável para o pop rock naquele início dos anos 90. Ganhamos o Brasil e abrimos as portas para novas bandas da cidade e do país quando, mercadologicamente, reacendemos as vendas do seguimento”, declara o cantor. Com “Calango”, o grupo superou a marca de 1 milhão de cópias vendidas em 1994. A “estética pioneira e diferente da consagrada pelo pop rock da geração anterior e as letras com conteúdos criativos” contribuíram para o feito.
“Para chegar até as pessoas, não abusamos da repetição de fórmulas consagradas, o nosso texto nunca foi pueril e nem idiota. Acho isso um feito, modéstia à parte”, assume Samuel. O que não lhe tem agradado são as políticas do novo governo para a cultura. “Esse governo neoliberal segue à risca os seus preceitos. Combate tudo que é novo e transformador. E o que esse governo não quer é ver os seus dogmas sisudos e anacrônicos ameaçados. Arte e ciência propõem, basicamente, transformações a partir do conhecimento e das experimentações, e isso é muito ameaçador. Daí, talvez, o descaso com o saber e com a cultura”, encerra.
Serviço
Show do Skank, neste sábado (21), a partir das 20h, no Bella Vista (rua Henriqueto Cardinale, 121, Olhos D’Água). De R$ 180 (meia) a R$ 360 (inteira).
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