Foi no dia a dia que eu aprendi a trabalhar a minha negritude, e assim foi passado para os meus filhos”, diz Maria da Consolação Martins Saraiva, 54, mãe de dois jovens negros e professora aposentada, que criou os filhos com um misto de afeto e resistência. “Consola”, como gosta de ser chamada, é mãe de Luísa Helena, estudante de direito, 21, e de João Víctor, 24, assessor técnico de projetos especiais na Secretaria de Desenvolvimento Social de MG, ambos envolvidos em iniciativas diárias que promovem o pensamento e o debate sobre o que é ser negro em BH.
No Dia Nacional da Consciência Negra, data que faz referência à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, que se tornou símbolo de luta e resistência dos negros escravizados no Brasil, é necessário ressaltar a importância histórica desta data, mas não se limitar a ela. “Isso é um momento que a gente guarda, mas é importante se discutir de maneira diária, contínua, já que é uma preocupação constante e que tem impacto todos os dias na população negra”, afirma João Víctor.
A partir da indignação causado pela morte de Marielle Franco, no ano passado, Luísa (uma das poucas alunas negras no curso de uma faculdade particular de direito) começou a pensar na possibilidade de criar algum movimento que ressignificasse o papel do negro na sociedade por meio do afeto. Em novembro de 2018, nascia o coletivo Flor dos Palmares, um espaço afroafetivo. “Flor é a partir da semente de Marielle; se ela foi semente, nós somos flores”, destaca Luísa.
Formado por cinco jovens negras, o coletivo é pautado pela resistência afetiva, priorizando a saúde mental de seus participantes (em sua maioria, homens e mulheres negros), o amor-próprio e a negritude. O coletivo promove rodas de conversas mensais abertas à população, não somente negra, e publicações semanais de textos no perfil do Instagram, com temas variados do universo negro.
O Flor é dividido em alguns grupos, como o projeto Florescer, que consiste em rodas voltadas somente para mulheres negras, e o Raízes, voltado para o resgate da ancestralidade.
Luísa Helena complementa dizendo da importância de se refletir sobre a negritude o ano inteiro. “O Flor dos Palmares está aí para mostrar que somos pretos o ano todo, desde o dia 1° de janeiro até o dia 31 de dezembro. Porque nós existimos e morremos todos os dias do ano”, defende.
Outra iniciativa que debate o ser negro, mas com o foco em homens negros, é o Masculinidades Negras, do qual João Víctor faz parte. O projeto é comandado por Everton Black e Paulo Miranda.
Miranda – projetista industrial, palestrante e estudioso sobre masculinidade – conta que o coletivo nasceu da necessidade de debater pautas que envolvem o universo do homem negro. As conversas acontecem a cada 15 dias, com temáticas predefinidas pelo grupo em uma reunião.
“Um homem preto, ao chegar ao grupo pela primeira vez, descobre que existe afeto entre homens pretos, e isso, por si só, é revolucionário”, afirma Miranda. Ele também aponta sobre a importância do dia de hoje, mas de ir além da data: “Falar de questões de negritude diariamente é necessário para que não sejamos lidos como personagens de folclore do qual só se lembra em datas específicas. A nossa humanidade tem de ser reconhecida”.
De preto para preto
Outra iniciativa potente na cidade é o Segunda Preta, movimento teatral que acontece sempre às segundas, em temporadas, no Teatro Espanca, no centro da capital. Dentro da iniciativa, são propostas peças teatrais feitas por artistas negras e negros que buscam diálogos sobre questões raciais, além de cenas, espetáculos e performances.
Com foco no protagonismo da mulher negra, desde à portaria do evento, passando pelo balcão de atendimento, até chegar ao palco com as cantoras da roda, o Samba das Pretas BH se reafirma como um novo espaço de celebração para a comunidade negra – principalmente as mulheres.
Uma vez por mês, a roda de samba é realizada no bar Deu Brasa Espeteria, localizado no bairro Penha. Fatini Forbeck, 28, assistente social e uma das produtoras do samba, acredita que o espaço não é somente uma simples festa.
“O Samba das Pretas é mais que um evento, é um espaço de afetividade, de cura, de reconhecimento. O lugar onde a gente vê o nosso poder: seja econômico, cultural, educacional, ancestral, espiritual”, explica. A proposta do samba é, a cada edição, dar mais visibilidade para cantoras negras da capital – que, segundo Fatini, eram minoria nas rodas espalhadas pela cidade. O ponto alto do encontro é a apresentação de Adriana Araújo, cantora do grupo Simplicidade Samba e madrinha do projeto.
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