Estudos internacionais são claros ao apontarem que a educação básica tem melhores resultados quando concentra professores com alto nível de qualificação.
Uma pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizada em 2015, mostrou que a média de notas dos alunos é melhor em nações que investem na formação continuada dos educadores, como países da Europa e Ásia.
Mas, ao menos na rede pública de Minas Gerais, em um cenário de poucos recursos e muita violência, o que se tem é um seleto grupo de professores gabaritados.
Dados da Secretaria de Estado de Educação revelam que apenas 1.224 (2%) dos 59.153 professores das escolas estaduais têm mestrado e 74 (0,12%), doutorado.
A situação é semelhante nas escolas municipais de Belo Horizonte: 441 (2,9%) dos 15,1 mil profissionais são mestres e 46 (0,3%), doutores, segundo a Secretaria Municipal de Educação.
Em ambas as redes, a maioria dos educadores da rede pública tem apenas a graduação – curso de pedagogia ou licenciatura em áreas específicas –, pré-requisito para exercer o cargo.
Uma das explicações para o número tão baixo de mestres e doutores na escola pública pode estar na baixa remuneração, como avalia a diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-Rede/BH), Vanessa Portugal.
"Do ponto de vista da carreira, a progressão salarial não é estimulante", aponta.
Na rede municipal de BH, por exemplo, a cada novo título, o profissional tem acréscimo de 10,25% no vencimento. Vanessa comenta que a dupla jornada, muito comum entre os trabalhadores como forma de aumentar a renda, também acaba tornando escasso o tempo disponível para que o professor invista na própria educação.
"Faltam estímulo e condição. E uma parte significativa de quem consegue um mestrado ou um doutorado migra para a educação superior ou para a rede privada", observa.
No entanto, entre os que ficam na educação básica, o que os motiva a permanecerem nesse ambiente em que falta estrutura e os índices de violência são crescentes? O pós-doutor em cultura política Marco Antônio de Souza, 65, é um exemplo desse cenário. Ele foi agredido por um aluno no início do mês, em uma escola municipal de BH, e precisou ser socorrido. Mas, no dia seguinte, já estava na sala de aula.
Três exemplos
Na semana em que se comemora o Dia do Professor (15), a reportagem ouviu três educadores gabaritados da educação básica que atuam na região metropolitana.
Eles revelam que a permanência na rede pública é pautada pela crença de que é possível mudar o futuro das crianças por meio da educação. Confira!
Rosângela Oliveira
Na bagagem como educadora, Rosângela Cristina de Oliveira, de 42 anos, carrega, entre outros cursos, a licenciatura em desenho e plástica, concluída em 1998, e um mestrado na área de patrimônio, defendido na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2017.
Tanto conhecimento acumulado em anos de pesquisa é totalmente dedicado às turmas do ensino fundamental da Escola Municipal Maria Helena da Cunha Braz, no bairro Icaivera, em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde ela dá aula de educação artística há cinco anos.
Diariamente, Rosângela assume o posto de trabalho às 7h e dá lições importantes sobre cidadania enquanto ensina arte a alunos com idades que variam de 13 a 15 anos. “Não sinto necessidade de ir para a rede privada. A pública é muito mais interessante porque ela é mais democrática”, garante a professora, com empolgação na voz.
Se a ideia de ajudar a formar cidadãos anima a educadora e justifica todos os anos de estudo e dedicação à sua formação profissional, a falta de estrutura para lidar com questões como a violência e a pouca participação da comunidade na escola pública ainda desanima.
“A gente vê situações complicadas. A escola precisa ter recursos para lidar com questões com conflitos que envolvem alunos e a relação deles com o professor. E, infelizmente, os pais ainda são muito distantes”, diz Rosângela.
Marco Antônio
Como bom historiador que é, Marco Antônio de Souza, de 65 anos, sabe contar, com riqueza de detalhes, a trajetória que construiu ao longo de mais de quatro décadas de profissão. São ao menos seis diplomas obtidos entre 1970 e 2010 – o último deles é um pós-doutorado em cultura política.
Durante muitos anos, o conhecimento adquirido por Souza foi usado no ambiente acadêmico para formar outros historiadores. Mas, desde o início da carreira, ele não abre mão do cargo de educador da rede pública de ensino de Belo Horizonte. No fim deste ano, ele deve se aposentar como professor na rede municipal de BH.
“Eu diria que me afeiçoei à educação básica. É algo difícil de explicar”, afirma Souza ao comentar a relação com a rede pública. Ele refuta a ideia de que o lugar de professores com alto nível de formação é na rede privada ou na academia. “No nosso país, há uma mentalidade de usar apenas professores menos qualificados no ensino fundamental. Esse é o oposto do pensamento de outros países, onde a qualificação é exigência para atuar na educação básica”, compara.
A paixão pela rede municipal, no entanto, não significa que ele só acumule boas experiências nesse ambiente. No início deste mês, Souza foi agredido na cabeça por um aluno que queria sair de sala antes do fim da aula. Sem mágoas, ele voltou ao trabalho e acolheu o aluno, quem considera ser mais uma vítima da falta de investimento na educação.
Bárbara Ahouagi
Aos 39 anos, Bárbara de Oliveira Ahouagi, desdobra-se em uma rotina dupla de estudante e professora. Durante o dia, ela dá aulas de arte para alunos do ensino fundamental na Escola Municipal Israel José Carlos, no bairro Capelinha, em Betim, na região metropolitana. À noite, debruça-se sobre textos e pesquisas para entrar no seleto grupo de doutores que atuam na rede pública de ensino.
Tanta dedicação aos estudos tem sido convertida, há 11 anos, em ensinamentos para estudantes da educação básica na rede pública. Entre altos e baixos na carreira de professora, Bárbara calcula que o saldo até aqui é positivo. “Tenho várias experiências boas. Os meninos são muito legais. Muitas vezes, as pessoas veem as crianças da escola pública como menos inteligentes, mas isso não é verdade. Eles merecem a formação que eu tenho”, considera a profissional.
Apesar de gostar de ensinar crianças e adolescentes, Bárbara admite que atua na educação básica por necessidade, não por opção. A meta profissional da educadora é conquistar um cargo no ensino superior desde que possa permanecer na rede pública.
Para ela, a vulnerabilidade social na qual os estudantes estão mergulhados ainda é o grande empecilho para o aprendizado. Quando pensa no futuro da escola pública, ela tem um sonho: “Que a gente tenha condições de atender os alunos como eles merecem, com estrutura para identificar e dar solução às necessidades de cada um”.
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