Pessoas morando nas ruas, vendedores nos semáforos, trabalhadores fazendo os mais diversos “bicos” para sobreviver são alguns dos retratos de um país que tem 23,3 milhões de miseráveis. “É mais que um Chile. Só os novos entrantes somam 6,3 milhões de pessoas, o que equivale ao Paraguai”, frisa o diretor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Social, Marcelo Neri.
Desde o final de 2014 até o fim de 2017, o aumento da pobreza foi de 33%, passando de 8,38% da população brasileira para 11,18%. O resultado só não é pior do que na época do Plano Cruzado, entre 1986 e 1988, quando a pobreza cresceu 75%.
Apenas em 2015, a pobreza subiu 19,3% no Brasil, com cerca de 3,6 milhões de novos pobres. Naquele ano, enquanto a média de renda caiu 7%, a renda dos 5% mais pobres teve recuo de 14%. A fundação utiliza o termo “pobre” para quem ganha abaixo de R$ 233 por mês, o que significa viver com menos de R$ 8 por dia, em um mês de 30 dias.
Com o valor de R$ 233 não é possível comprar uma cesta básica. Em Belo Horizonte, a cesta alimentar mínima necessária para uma pessoa adulta custou R$ 357,93 em agosto deste ano, conforme levantamento divulgado ontem pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O trabalhador da capital mineira que recebe o salário mínimo consome 40,78% de seu rendimento para adquirir a cesta.
Motivos. De acordo com o especialista, a recessão no país, iniciada no fim de 2014, foi um dos motivos para o aumento da população em situação de miséria. “O bolo da renda caiu para todos, em especial para os mais pobres”, diz. A pesquisa “Qual foi o impacto da crise sobre a pobreza e a distribuição de renda?”, da FGV Social, mostra queda na renda média individual do brasileiro de 3,44% no intervalo do segundo trimestre de 2015 a 2018. Nesse período, os jovens de 15 a 19 anos foram os que mais perderam renda, com recuo de 20,06%.
No ápice da crise, 70% da queda de renda era devido à alta inflação, e depois a inflação passou jogar a favor. A partir de meados de 2017, este efeito ficou zerado. “Em compensação, o desemprego aumentou muito no início da crise e depois caiu pouco”, observa Neri. Ele acrescenta que o aumento da desigualdade também colaborou para aumentar a pobreza. “Ela subiu 11 trimestres consecutivos, o que não acontecia desde 1989”, analisa.
Outras pesquisas confirmam o aumento da pobreza no país nos últimos anos. Em abril, levantamento da LCA Consultores, a partir de dados do IBGE, mostrou que o número de pessoas em situação de extrema pobreza passou de 13,34 milhões em 2016 para 14,83 milhões no ano passado, alta de 11,2%. Em 2014, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou um estudo mostrando o aumento do número de pessoas miseráveis. Em 2013, a população abaixo da linha de extrema pobreza aumentou 3,68%, a primeira alta desde 2003.
Só alta do PIB não reduz a pobreza
O aumento do Produto Interno Bruto (PIB) não é suficiente para reduzir os níveis de pobreza no país, que está no patamar dos anos de 2011 e 2012, conforme o diretor do FGV Social, Marcelo Neri. “Temos que buscar o caminho do meio. Não é apenas focar na macroeconomia ou só no social. O crescimento tem que ser inclusivo”, diz.
Ele defende que reformas sejam feitas, em especial a da Previdência, mas sem deixar de lado o aspecto social e pautadas na responsabilidade fiscal. “É preciso ter vontade política, coerência e uma política econômica responsável”, frisa.
Para o pesquisador, a redução da pobreza não precisa de inspiração de fora do país. “Podemos nos inspirar em nós mesmos. Houve diminuição da pobreza nos primeiros anos do Plano Real, que trouxe a estabilização da economia, reduzindo a inflação, bem como com a implantação do Bolsa Família, em 2003. Existe saída”, diz.
Neri afirma que o aumento da pobreza é fruto da desconexão entre a agenda econômica e a social.
Por Juliana Gontijo - OTempo
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