Não há um dia exato que marque o lançamento do inovador "Sagarana", de João Guimarães Rosa. Não houve festa nem noite de autógrafos. De concreto, sabe-se que foi lançado e começou a ser vendido em abril de 1946. Antes o até então pouco conhecido escritor tinha apenas publicado alguns contos policiais na revista “O Cruzeiro” e o inédito volume de poesias “Magma”, que venceu o primeiro prêmio do concurso de poesia da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1937.
Animado com a vitória, ele concorreu com o livro “Contos” ao prêmio Humberto de Campos, da mais prestigiosa editora da época: a Livraria José Olympio. Tirou segundo lugar e o livro ficou engavetado. Até que, em 1946, aos 37 anos, recomendado pelo escritor Marques Rebelo, que havia sido jurado do concurso, o apresenta ao jornalista Caio Pinheiro, dono da pequena editora Universal, que tinha apenas um título em catálogo. Guimarães Rosa retrabalhou alguns dos 12 contos do volume “Contos” e relançou-os com o título de “Sagarana”.
Pouco a pouco as críticas, cada vez mais elogiosas, foram se disseminando nos jornais e em revistas especializadas. A primeira menção do livro no GLOBO foi um anúncio no pé da página 7 do dia 29 de abril de 1946: “O Livro do momento – Sagarana de J. Guimarães Rosa. Já está em todas as livrarias”. No dia 10 de maio de 1946, José Lins do Rego na coluna que mantinha no GLOBO escrevia: “Li todos os contos do novo escritor mineiro e cheguei ao fim da sua última página com a impressão de que há qualquer coisa de realmente grande na sua ficção”. A crítica na coluna “Livros e autores”, publicada na edição do dia 5 de junho de 1946, ressaltava:
“São páginas inesquecíveis e antológicas que nos fazem lembrar, simultaneamente, Euclides da Cunha, através da forma com que nos faz sentir em toda a sua pujança a agressividade do meio ambiente, e Coelho Netto pelo esplendor vocabular”.
As inovações na forma e na linguagem foram saudadas como uma revolução na literatura brasileira. “Sagarana” é uma palavra que não existe, um neologismo. Segundo Rosa é um tipo de cana igual a outras, que existem na mata, mas que não é doce, não tem o menor aproveitamento, ela é só parecida com a cana.
“Sagarana” é dividido em 12 contos, dentre eles: “O burrinho pedrês”, “Sarapalha” e “A hora e a vez de Augusto Matraga”. A primeira edição, de cerca de 3 mil livros, foi vendida em menos de um mês. Além da linguagem inovadora, pela estrutura narrativa e a simbologia dos seus contos, “Sagarana” trazia o regionalismo com um novo significado e assumindo a característica de experiência estética universal.
Sua criação mais respeitada é, sem dúvida, “Grande sertão: veredas”, de 1956, considerada um marco na literatura brasileira, que foi fruto de muitas viagens pelo interior de Minas Gerais em companhia do tropeiro e contador de histórias conhecido como Manuelzão. Além do romance, o mineiro também escreveu os livros “Manuelzão e Miguilim” (1964); “Primeiras estórias”, contos (1962); “Tutameia (Terceiras estórias)”, contos (1967); e “Estas estórias”, contos (1969), entre outras obras.
Guimarães Rosa manteve uma coluna semanal de contos no GLOBO, entre janeiro e agosto de 1961. Entre os vários contos publicados, um dos grandes destaques foi a “A terceira margem do rio”. Grande parte de sua obra foi adaptada para o cinema, o teatro e a televisão. Em 1965, o conto “A hora e a vez de Augusto Matraga” foi vertido para o cinema com direção de Roberto Farias e roteiro de Gianfrancesco Guarnieri. Em 1973, “Sagarana, o duelo” com direção de Paulo Thiago. Mas, sem dúvida, adaptação mais famosa foi a que a TV Globo levou ao ar em 1985 na minissérie “Grande sertão: veredas”, com direção de Walter Avancini e no elenco Tony Ramos, Bruna Lombardi e Tarcísio Meira.
João Guimarães Rosa nasceu no dia 27 de junho de 1908, em Cordisburgo, Minas Gerais. Forma-se em medicina pela Universidade de Minas Gerais. Em 1934 entra para o corpo diplomático do Itamaraty, por meio de concurso. É nomeado cônsul-adjunto em Hamburgo, Alemanha, no ano de 1938. Lá casa-se pela segunda vez com Aracy Moeblus de Carvalho. Serve ainda em Bogotá e em Paris onde é nomeado, em 1948, primeiro-secretário da embaixada na França. Em 1951, retorna o Brasil onde passa a atuar no Ministério das Relações Exteriores. É eleito, por unanimidade, em 1963, para a Academia Brasileira de Letras (ABL), mas toma posse apenas em 16 de novembro de 1967. Três dias depois falece, no Rio de Janeiro, vítima de infarto.
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