Há 23 anos, o professor Antônio Nunes, 52, ensina língua portuguesa na rede estadual de Minas Gerais, mas não se lembra de um único momento em que não foi necessário lutar para garantir que os educadores sejam valorizados na proporção de sua importância para a sociedade. Falta de estrutura nas escolas e de oportunidade de formação continuada são problemas superlativos que contrastam com os salários defasados e, nos últimos meses, parcelados e depositados com atrasos.
O resultado desta equação ele resume assim: “Traz um desgaste grande e dificulta muito a programação do nosso orçamento familiar. Eu tive que mudar o vencimento de todas as minhas contas e, quando o governo resolve pagar só no dia 13 ou 14, algumas ficam atrasadas”, conta.
Além de fazer malabarismo todos os meses para arcar com o orçamento familiar, Nunes enfrenta a falta de estrutura das escolas, realidade em todo o Estado. “Até a iluminação na sala de aula é ruim em algumas escolas”, conta o educador, que participou nesta terça-feira (10) da assembleia dos professores da rede estadual – que aprovou a continuidade da greve, deflagrada no dia 8 de março.
Segundo especialistas, o reconhecimento e a valorização dos professores é condição básica para a educação de qualidade, e a sociedade precisa apoiar os educadores. “A valorização dos profissionais passa por abertura de concursos, estabelecimento de planos de carreira, garantia de condições de trabalho e infraestrutura e piso salarial nacional, o que está na Constituição e garante que todos os docentes tenham remuneração básica, abaixo da qual não é aceitável trabalhar nesse setor”, afirma a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lívia Fraga Vieira, que participa do Grupo de Estudo sobre Política Educacional e Trabalho Docente. “É claro que as crianças ficarem em casa durante a greve pesa para as famílias, mas é muito importante que a sociedade acompanhe a luta dos professores”, alerta.
De acordo com a professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMG, Jussara de Loiola Araújo, a formação continuada dos educadores é fundamental para garantir a qualidade do ensino. “As teorias educacionais estão sempre sendo construídas, repensadas e adaptadas às novas realidades da sociedade, e é importante que o professor as conheça”, pontua. “O profissional tem que ficar preso na sala de aula o tempo inteiro, quando poderia usar outros recursos. Greve é uma coisa que a gente não quer fazer, mas faz para reivindicar nossos direitos”, diz Antônio Nunes.
Quem também faz coro às reivindicações é o professor Oriovaldo Ferreira Lopes, 50, que luta pela valorização da educação no Estado há 24 anos: “Entra e sai governador, e a educação é sucateada. Eu nunca me senti tão para baixo e desmotivado como no ano passado, quando recebi a notícia de que o 13º salário seria pago em quatro parcelas. As contas em casa estão se acumulando, e muitos servidores estão passando por dificuldade. Nós só queremos saber onde está o dinheiro do Estado”.
A técnica educacional Joeliza Vieira Gama, 38, afirma que as dificuldades são “combustível” para a batalha pela valorização. “Eu trabalho para me sustentar e acho que todo mundo precisa do pagamento. Vamos trabalhar com dedicação e amor, sim, mas é uma profissão que tem que ser valorizada”, desabafa.
Os professores da rede estadual votaram nesta terça-feira pela continuidade da greve até o dia 18, quando terão uma nova assembleia. Mas a categoria deu aval à tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que garante o reajuste automático do piso nacional. “O que nós temos ainda é insuficiente para a suspensão do movimento. A greve foi definida por objetivos muito concretos, e o governo precisa responder essas questões”, afirmou a presidente do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE-MG), Beatriz Cerqueira.
Os professores pedem o fim do parcelamento dos salários, um atendimento de qualidade no Ipsemg e a retomada de nomeações, além do pagamento de valores retroativos devidos pelo Estado. A Secretaria de Estado de Educação (SEE) informou que o governo “se empenhou” para atender as reivindicações “tão logo o governo retornasse ao limite prudencial previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal”. A pasta disse que o Estado cumpriu a maioria dos itens do acordo firmado com trabalhadores em 2015 e está aberto a soluções para o cumprimento total. Segundo a SEE, na terça-feira, 163 escolas, de um total de 3.461, informaram que estavam com as atividades totalmente paralisadas.
Municipal
Greve. Os professores da rede de educação infantil de BH programaram greve para 23 de abril. O município informou que aguarda o complemento da pauta de reivindicações para negociar com a categoria.
Pais e alunos da Escola Estadual Artur Joviano, no bairro Santa Efigênia, na região Leste de Belo Horizonte, foram pegos de surpresa com o comunicado de que a escola não forneceria mais merenda a partir desta semana e que eles deveriam levar o próprio lanche. O motivo, segundo a direção, seria a falta de repasse de recursos para a compra de alimentos por parte da Secretaria de Estado de Educação (SEE).
A pasta informou que advertiu a diretora pela conduta adotada, uma vez que a escola possui recursos em caixa para fornecer a alimentação. Ainda segundo a SEE, os repasses para todas as escolas da rede estão dentro do prazo estimado. Mas o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas (Sind-UTE) declarou que tem recebido denúncias de atraso na verba da merenda desde o ano passado. (Letícia Fontes/RM)
Por Rafaela Mansur e Luciene Câmara - OTempo
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