"Aqui, a vida não vale nada", lamenta a imprensa em Madre de Dios, região amazônica do Peru, que o papa Francisco visita nesta sexta-feira (19) e onde o ouro dita a lei, comendo as florestas e envenenando seus habitantes.
Em Puerto Maldonado, a sudeste do país, capital da região onde vivem cerca de 100 mil habitantes, o pontífice será recebido por 3.500 índios - vítimas da febre do ouro artesanal, muitas vezes ilegal - com quem invocará sua encíclica "Laudato Si" (2015), em defesa do meio ambiente.
A Amazônia, devorada
"A mineração de ouro é o driver mais crítico no sul do Peru", assegura Matt Finer, diretor do projeto Maap (controle dos Andes amazônicos), formando por duas associações ecologistas, uma local e outra americana.
Graças aos satélites e drones, o Maap publicou na Internet em tempo quase real (http://maaproject.org) a destruição da Amazônia, que se acelerou em 2017 com um recorde de 20 mil hectares devastados.
O objetivo: "poder alertar sobre novos focos de desmatamento pela mineração ilegal", indica Daniela Pogliani, diretora da associação Conservação Amazônica, que assegura que a ferramenta ajudou as autoridades a intervir em várias ocasiões.
"Definitivamente, a visita do papa é um ato muito importante para o Peru e para Madre de Dios", explica Pogliani, porque é "a região com maior biodiversidade do Peru", povoada por jaguares, papagaios e macacos, mas prejudicada por uma atividade mineradora "muito destrutiva".
O Peru é o quinto produtor mundial de ouro. Segundo um relatório de 2016 da Iniciativa Global contra o Crime Organizado, 90% do material é extraído de minas ilegais, ou artesanais.
Os índios, invadidos
Na primeira linha, os povos indígenas sofrem todos os dias roubos de terras para buscar ouro, espalhando na florestas crateras de terra, embora alguns participem da atividade arrastados pelos lucros. Cerca de 30 comunidades vivem ao redor de Puerto Maldonado.
Em 2015, esta atividade destruiu parte do habitat dos Mashco Piro, uma tribo isolada que teve que romper este isolamento para encontrar comida, enfrentando com seus arcos e flechas outros povoados.
Em uma carta conjunta ao papa, vários líderes indígenas pediram esta semana sua ajuda para promover "uma alternativa diante das tentações do inferno mineiro".
Os habitantes, envenenados
Para extrair o ouro, os mineiros artesanais usam mercúrio, um componente extremamente contaminante que vaza para a terra e água de Puerto Maldonado, envenenando os peixes.
Um estudo realizado pelo Carnegie Scientific Institute revelou que 15 das espécies de peixes mais consumidas na zona apresentavam níveis de mercúrio superiores ao que a lei permite, e 78% da população possui taxas alarmantes em seus corpos.
"O efeito mais comum está no sistema neurológico", cujo desenvolvimento se vê afetado, especialmente entre "mulheres grávidas e crianças", diz Susan Egan Keane, da ONG com sede nos Estados Unidos Natural Resources Defense Council (NRDC), um projeto de 45 milhões de dólares que pretende reduzir o uso de mercúrio nas minas de ouro de oito países, incluindo o Peru.
Os mineiros, explorados
Assentados nas margens dos rios, os acampamentos de dezenas de milhares de mineiros ilegais, muitas vezes cidadãos pobres saídos de outras regiões em busca de um futuro melhor, se tornaram autênticas cidades, zonas violentas sem lei onde os estrangeiros e os jornalistas não são bem-vindos.
Alguns trabalhadores, especialmente as crianças, são escravizados pelos traficantes. As mulheres jovens, atraídas com promessas de emprego, têm seus documentos confiscados e são obrigadas a se prostituir, segundo um relatório da Iniciativa Global contra o Crime Organizado.
No maior acampamento, La Pampa, "estão matando pessoas todos os dias", afirma Gabriel Arriarán, antropólogo e jornalista especializado na região. "É como no México hoje: fossas comuns, desaparecidos, guerras entre facções".
Manuel Calloquispe sabe algo a respeito. Correspondente do jornal El Comercio e apresentador de um programa da televisão local, foi ameaçado e até mesmo espancado em sua casa por se atrever a contar a realidade de Madre de Dios.
"Os mineiros pagam os jornalistas" para que comprem o seu silêncio, porque "quando alguém informa de maneira diferente, eles não gostam", lamenta.
Fonte: AFP
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